A melhor maneira de a empresa ajudar o esporte é unir-se aos clubes esportivos já existentes, ou às entidades que compõem o sistema desportivo nacional.
Por Alberto Murray Neto
21 de março de 2024 / Curitiba (PR)
Este é um tema sempre atual, mas para o qual, antes de abordarmos o assunto, precisamos voltar à nossa origem, quando o esporte ainda era incipiente em nosso país, há cerca de um século e cujas causas ainda repercutem.
Naquela época, fazer esporte na visão dos homens públicos e mesmo na sociedade em geral, era para desocupados, sendo os atletas muito mal vistos. Esse pensamento prevaleceu por décadas e implicou negativamente o desenvolvimento esportivo do Brasil, com reverberações até nossos dias.
A sobrevivência do esporte foi mantida pela abnegação de pessoas que, apesar de todos os entraves e enfrentando todas as dificuldades, compreendiam o seu valor, como fator importante para a juventude e vida de uma nação. Essas pessoas organizaram os clubes, formaram entidades e, dentro de suas possibilidades, organizaram uma estrutura esportiva para o Brasil. Ainda assim, os atletas de renome que surgiram naquele período não foram fruto de planejamento, mas, sobretudo, de suas qualidades naturais.
Os meios obtidos para as nossas representações em campeonatos sul-americanos, mundiais e Jogos Olímpicos o eram com muito sacrifício por intermédio de alguns políticos influentes que enxergavam os benefícios do esporte, ou mesmo por pessoas da sociedade que queriam prestar sua colaboração.
E, assim, chegamos aos dias de hoje, tendo as pessoas públicas, de um modo geral, a ideia falsa sobre o esporte, não lhe dando a relevância, mesmo nas áreas de educação e saúde, que merece. Isso ocorre justamente porque durante a juventude, essas pessoas não tiveram uma formação esportiva adequada.
Ainda assim, em anos mais recentes, alongam-se mais os horizontes do esporte. A partir de 1.963, o esporte tomou nova dimensão, tendo mais apoio material dos governos. Naquele período, criou-se o concurso de prognósticos esportivos (loteria esportiva), de onde o governo passou a dar mais apoio às Confederações desportivas nacionais.
Esse cenário fez com que o desenvolvimento do desporto nacional tivesse um significativo atraso, de décadas, em comparação com outras nações.
A partir de 1.980, algumas empresas começaram a se preocupar com o esporte, por verem que ele lhes poderia trazer algum retorno às suas atividades, pois seria a propaganda mais efetiva que se poderia ter, com o menor gasto. As empresas, naquela época, entretanto, cometeram, a meu ver, um grave engano, querendo começar pelo fim. A base de formação de novos atletas, no Brasil, é o clube, o qual já está debilitado em face da situação econômica e, com extremo esforço, tem mantido seus departamentos esportivos. As empresas, ao invés de investirem de início nos clubes, se quisessem auxiliar o esporte, fizeram o contrário. Organizaram seus próprios “clubes”, tirando daqueles que já existiam seus melhores atletas, lá formados. Claro que havia boas exceções. O time de vôlei da Pirelli, nos anos oitenta é um bom exemplo. A Pirelli, enquanto empresa, já vinha há bastante tempo incentivando o esporte, formando seus próprios atletas e disputando torneios das federações e confederações em várias modalidades.
A melhor maneira de a empresa ajudar o esporte é unir-se aos clubes esportivos já existentes, ou às entidades que compõem o sistema desportivo nacional. Ou, então, formar seus próprios atletas, desde a base até o alto rendimento. Ao desfalcar os clubes esportivos já existentes, as empresas estariam despindo um santo para vestir outro.
Há exemplos em outras nações, nos Estados Unidos e no Japão, principalmente, aonde há clubes de empresas formados por elas mesmas e que se tornaram um grande potencial, representando o próprio país em grandes torneios, sem tirar atletas das universidades e clubes.
As empresas são a força viva do país e devem suprir lacunas existentes em várias áreas, aonde o Estado deixa de fazê-lo. O esporte integralmente financiado pelo Estado seria a sua estagnação, o que em uma democracia não é compreensível.
Se, por um lado, o apoio da empresa ao esporte é altamente benéfico e devemos ser favoráveis a isso, por outro, devemos ter muito cuidado com a formação do jovem, porque, atualmente, dado o crescente interesse pelo esporte, há uma grande atração material por ele. Há jovens que procuram o esporte, não pelo interesse de que seja ele uma questão de saúde e educação, mas exclusivamente pelos bens materiais que ele pode trazer. Essas duas vertentes não podem caminhar dissociadas.
O esporte tem como finalidade, além de outras, tornar o atleta uma pessoa útil à sociedade. A sua vida com atleta é curta e, se ele não está preparado, se não cuida paralelamente de sua educação, formação profissional, ao final de sua vida atlética, enfrentará enormes dificuldades de sobrevivência. Nesse caso, o esporte estaria, justamente, caminhando no sentido oposto ao que se espera. A grande maioria dos atletas profissionais, ao final de suas carreiras, não adquire fundos suficientes para viver os restos de suas longas vidas sem a necessidade de um novo trabalho.
Quando este artigo se refere à empresa no esporte, trata, obviamente, dos “esportes olímpicos” que, anteriormente, eram chamados de “amadores”. Mesmo com a profissionalização integral do esporte, admitida pelo Comitê Olímpico Internacional desde a década de oitenta do século passado, ainda assim, no Brasil, esses princípios permanecem válidos, mesmo que em escala um pouco menor. Claro que, em nosso país, muito antes, o futebol tornou-se uma arte própria, seguiu sua trajetória vitoriosa e tem características distintas.
Atualmente, já é bem maior o interesse das empresas pelo esporte e não restam dúvidas que seu apoio tem dados grandes resultados. Ainda assim, há esportes menos privilegiados, os quais as empresas entendem não darem retorno suficiente de mídia e pelos quais também se há de cuidar. Não há esporte maior versus menor. Há, sempre, esporte.
Aproveitando-se desse surto de sucesso, há grupos que, vendo os bons resultados das empresas, interferem com avidez sobre determinados atletas, organizando seus “circos” para apresenta-los a dinheiro, sem qualquer preocupação com o ser humano. Isso é prejudicial e representa perigo. O atleta deve ser tratado com rigoroso respeito e nunca como objeto de pura arrecadação financeira por terceiros.
Na época da “guerra fria” havia os chamados “atletas de Estado”, do bloco soviético, em que os conceitos, até então bem delineados entre profissionalismo e amadorismo se confundiam. Essa competição injusta gerava distorções e fazia, na prática, com que atletas realmente amadores competissem com profissionais. Na década de oitenta do século vinte, os dirigentes do Comitê Olímpico Internacional promoveram uma grande alteração na Carta Olímpica, determinando que nenhum atleta poderia sofrer desvantagem em relação a outro atleta, quer social ou economicamente e nem que sua saúde fosse afetada por causa do esporte. Na prática isso significou que todos os atletas poderiam receber, por meio das Federações Internacionais, Comitês Olímpicos Nacionais e Confederações Nacionais, ou mesmo diretamente, subsídios financeiros para sua manutenção, bolsas de estudos e demais vantagens, que até então não eram permitidas.
Com isto, com essa abertura, terminou a fase do amadorismo e deu-se início uma grandiosa indústria, da comercialização e necessidade da intervenção das empresas como a mola propulsora do esporte.
Assim, implantou-se, necessariamente, a interferência das empresas como meio necessário para o desenvolvimento do esporte. Acredito, nesse contexto, que o nosso esporte terá sempre muito a se beneficiar com esse apoio, tornando mais rápido o seu desenvolvimento.
Muito importante, ainda, que as empresas compreendam o papel do esporte no desenvolvimento de uma nação, como elemento essencial de saúde, educação, cultura e preservação ambiental.
Alberto Murray Neto, advogado, foi Árbitro da Corte Internacional do Esporte (CAS),
na Suíça e presidente do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (2018/2020).