Nascido em Caicó-RN, mas com toda a sua trajetória no esporte construída no Espírito Santo, o presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) falou sobre credibilidade, resultados, Paris-2024 e sobre sua relação com o Espírito Santo
Por Filipe Souza / Rede Gazeta
28 de março de 2022 / Curitiba (PR)
Relaxado, em um ambiente descontraído e com um sorriso no rosto. Assim estava o presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Paulo Wanderley, em Salvador, no dia 18 de março, quando nos recebeu em um hotel para uma entrevista exclusiva às vésperas da segunda edição do Congresso Olímpico, evento que reuniu atletas, ex-atletas e dezenas de personagens importantes para o esporte brasileiro.
Nascido em Caicó-RN, Paulo Wanderley construiu sua trajetória no esporte no Espírito Santo, Estado pelo qual possui muito carinho. Aos 71 anos, e sem fugir das perguntas, o dirigente da entidade máxima do esporte olímpico no Brasil falou sobre credibilidade, resultados, futuro e até sobre moqueca, que garantiu que não comeria na cidade baiana para não ter sua carteirinha de capixaba cassada. Confira a entrevista abaixo.
Presidente, em 2017 ao assumir o COB existia um discurso muito forte de recuperar a credibilidade da instituição após a forma como seu antecessor, Carlos Arthur Nuzman, deixou o comando. O Comitê Olímpico voltou a ter credibilidade?
“Já atingimos nossos objetivos. Nós realmente vivemos uma situação conturbada. Aliás isso é uma marca registrada minha. Em todas as entidades que eu entrei tinha alguma situação de ordem política ou então era terra arrasada. Mas sim, nós recuperamos a credibilidade do Comitê Olímpico. A credibilidade nacional e internacional. Isso é uma coisa do passado. Esse esqueleto nós conseguimos enterrar, principalmente na questão da governança.”
Muitos atletas se expressaram em um passado recente que não tinham oportunidades de ter voz perante ao COB. Essa realidade mudou?
“A coisa mais impactante do Comitê Olímpico nessa gestão foi ampliar a participação da comunidade esportiva. Criação de conselhos que não existiam: conselho de ética, ouvidoria, comissão de atletas. Todo mundo eleito, ninguém indicado. A participação de atletas nas assembleias do Comitê Olímpico cresceram, o conselho de administração passou a ter representatividade. Isso para mim foi um grande avanço.”
Como foi assumir o comando do COB em meio ao ciclo olímpico, sem ter sido o responsável por ter iniciado essa jornada. Quais foram os desafios?
“Na verdade, o Comitê Olímpico, sob o ponto de vista técnico, já tinha grandes valores. Poucos continuaram, mas já tinha algo encaminhado e nós aproveitamos isso. Nós não entramos para mudar tudo, renovar tudo. Demos continuidade a um trabalho. As mudanças importantes foram feitas mais na ordem econômica. Existia já uma estratégia montada, um planejamento e nós o implementamos”.
A pandemia no meio do ciclo olímpico foi um problema que trouxe muita dor de cabeça ao COB?
“Aí foi um grande problema realmente. Esse período de 2020 com a pandemia foi assustador, mas nós tivemos mecanismos para avançar. Mandamos atletas treinar no exterior, em países onde as coisas estavam mais controladas. Foram muitos atletas, mais de 200, e em várias modalidades. E com isso a gente conseguiu conquistar um resultado inédito para o Brasil, mesmo com essa confusão toda de mudanças de gestão e pandemia pela frente.”
O resultado do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio foi satisfatório na visão do Comitê?
“Tudo que eu tenho feito nessa trajetória de administração na gestão esportiva é montar equipe. A equipe é o segredo de tudo. Você tem uma equipe que entende qual é a sua visão e segue. Foi um resultado excepcional sim. Um 12° lugar. Quando se fala em 12° lugar é um resultado em meio a 206 países, e não em uma competição com 20 países. É um resultado que me traz muito orgulho. Mas é para isso que a gente trabalha. Para dar qualidade e excelência, que aliás é o nosso objetivo.”
Mesmo com um bom resultado em Tóquio, existe uma expectativa por melhoras em Paris-2024. Em Tóquio, o vôlei de praia, por exemplo, não medalhou. Como pensar em melhorar o desempenho do Brasil para a próxima olimpíada?
“A gente vive em um país de cobranças e num mundo de cobranças. No mundo do mais. Tudo tem que ser mais. Essa é até uma discussão entre os estudiosos. Sempre queremos melhorar e trazer mais medalhas. Em Tóquio, tivemos a questão do voleibol. E um esporte vencedor tanto na quadra quanto na praia. Eles se acostumaram a vencer, então qualquer terceiro lugar é um resultado péssimo. Acredito muito que foi em um momento de renovação. Na minha visão foi um percalço, eu acho que eles se reabilitam a tempo para Paris-2024. Não só eles, mas o meu judô (Paulo Wanderley foi presidente da Federação de Judô) também. Sempre queremos mais medalhas e vamos trabalhar para isso.”
Em Tóquio existiu um atrito entre O COB e a CBF quando os jogadores da Seleção Brasileira não exibiram a marca do patrocinador quando foram receber a medalha de ouro. Que prejuízo essa atitude dos atletas gerou ao Comitê?
“As coisas respingam, estão na Justiça onde ainda está sendo discutido. A nossa patrocinadora, que é a Peak, ficou irritada com a situação, nos mandou mensagem. Mas conseguimos renovar com eles. Não perdemos o patrocínio, mas a renovação poderia ter sido melhor. Pelo menos eles (seleção) ficaram com a medalha de ouro. Hoje a gente continua com um bom relacionamento institucional junto à CBF. É uma entidade patrimônio nacional, tem resultado… Não dá para ficar eles e nós. Não vai existir isso na minha administração. A gente procurou aproximação com todo mundo e não vai ser diferente com eles.”
Qual é a importância do Espírito Santo para a sua formação e para sua trajetória no esporte?
“Até por ser um estado menor, o judô no Espírito Santo na década de 80 estava nascendo. A Federação foi fundada em 74, e eu fui um dos fundadores. Inclusive, competidor ao mesmo tempo. Para você ver como era a época, muito amadora, mas com muita vontade. A minha trajetória profissional nasceu no Espírito Santo. Fui galgando espaços. Chamei muita atenção por estar em um estado pequeno. A Federação do ES viajava com passagens paga. Tive a possibilidade de fazer vários atletas e fui ganhando espaço no mercado. Estudei na Ufes, casei no Espírito Santo e meus filhos são capixabas. Toda a minha vida foi estruturada no ES. Deu certo, e estamos aqui hoje.”
Presidente, estamos em Salvador (BA). Gostaria de saber se o senhor vai provar a moqueca baiana?
“Moqueca é só capixaba, isso aqui é peixada. Não como mesmo. Vou lá no Pirão, no Horto ou em São Pedro. Não dá para comer uma moqueca fora do Espírito Santo.”
Dois dias após o fim do II Congresso Olímpico, na terça-feira (22), o COB anunciou a demissão do diretor de esportes Jorge Bichara, em nota publicada no site oficial da entidade.
“O Comitê Olímpico do Brasil comunica que Jorge Bichara deixa seu quadro de colaboradores nesta terça-feira. A entidade agradece ao profissional pelos serviços prestados ao longo de sua trajetória. De maneira interina, a área de Esportes fica sob responsabilidade do diretor-geral, Rogério Sampaio”, informou a nota oficial do COB.
A notícia não caiu bem no mundo esportivo. Atletas, técnicos e entidades se mostraram insatisfeitos com o desligamento do diretor que atuou por 17 anos no COB e é visto por muitos como o principal responsável pelos bons resultados obtidos pelas delegações brasileiras em Olimpíadas e Jogos Pan-Americanos. Bichara recebeu dezenas de mensagens de carinho de vários atletas, dentre eles o capixaba Alison, jogador de vôlei de praia.
Ao que tudo indica, a demissão de Jorge Bichara ocorreu pelo fato do agora ex-diretor discordar de algumas estratégias estabelecidas pela presidência, que já até anunciou a divisão da Diretoria de Esportes, que passa a estar sob o comando de Ney Wilson, diretor de Alto Rendimento, e Kenji Saito, diretor de Desenvolvimento Esportivo. A expectativa agora está toda em cima dos próximos resultados. Caso eles não apareçam, Paulo Wanderley será duramente cobrado.