Daniel Dias diz que não tem chance de ouro e fala sobre aposentadoria após Paralimpíada de Tóquio

Daniel Dias diz que não tem chance de ouro e fala sobre aposentadoria após Paralimpíada de Tóquio

Nadador de 33 anos e dono de 24 medalhas paralímpicas projeta seu último ato nas piscinas e o que vem depois

Fonte Mariana Rosário / O Globo
16 de agosto de 2021 / Curitiba (PR)

Segundo a reportagem de Mariana Rosário para O Globo, quando deixar as águas do Centro Aquático de Tóquio, em 1º de setembro, o nadador Daniel Dias, de 33 anos, colocará uma braçada final na mais exitosa carreira de um atleta paralímpico brasileiro. Ao pegar a toalha para se recompor da maratona de seis provas — e, quem sabe, caminhar ao pódio — o paulista estará aposentado das piscinas, após 15 anos de trabalho.

A jornada lhe rendeu um volumoso número de medalhas: 24 em Paralimpíadas, 14 delas de ouro, sete de prata e três de bronze. Na conta também é possível incluir 40 medalhas em mundiais, 31 delas de ouro. Mesmo com a jornada brilhante pelo retrovisor, o paulista garante que deixa a carreira no auge, embora deva enfrentar percalços inéditos nos Jogos Paralímpicos deste ano.

O primeiro e mais decisivo deles é fruto do processo de reclassificação na natação paralímpica. Iniciado em 2018, o procedimento reorganizou os atletas de acordo com novas estratégias de avaliação. Com a escalação refeita, Daniel teve seus seis recordes mundiais batidos por adversários inéditos — que antes estavam classificados em categorias acima da sua por, até então, apresentarem níveis de deficiência considerados menores que os dele.

“Estou sendo afetado em todas as provas, essa é a grande verdade. Mesmo que eu seja otimista, é preciso usar a razão nesse caso. Sendo bem sincero, tirou todas as minhas chances de ouro em Tóquio”, disse o atleta antes de embarcar para o Japão.

Daniel Dias ganhou seis ouros nos Parapan de Lima © Heusi Action / Gabriel Heusi / Divulgação

Para ele, a mudança de classificação é “subjetiva” e prejudicial para toda a delegação brasileira. Uma das principais críticas é o fato do processo ter ocorrido no meio de um “ciclo” — o período de quatro anos (neste caso específico, cinco) entre o fim de uma Paralimpíada e o início da próxima. A atual reclassificação foi realizada em janeiro de 2018, entre os Jogos do Rio e os de Tóquio, previstos inicialmente para 2020, mas postergados por causa da pandemia da Covid-19 e com data para começar no próximo dia 24.

“Ocorreu uma mudança no sistema de classificação de toda a natação. Foi incluída uma avaliação do atleta na água. É algo diretamente relacionado ao quanto ele consegue desempenhar (seus movimentos) na piscina” explica João Paulo Casteleti, chefe da classificação funcional do Brasil.

Embora não possa mudar a classificação para a competição de Tóquio, Daniel conta que se candidatou a uma cadeira no conselho de atletas do Comitê Paralímpico Internacional com o objetivo de propor novas categorias para os competidores, de maneira mais justa. “Muito triste o que está acontecendo”, resume.

“A natação vai perder um pouco a credibilidade. Como é possível que eu evolua meus tempos, mas não traga medalha para o Brasil?” questiona o nadador, garantindo que não entrará “derrotado” em nenhuma prova, apesar do cenário adverso.

Impacto da pandemia

A despedida das piscinas ocorre após um longo hiato sem competições, fundamentais para o avanço do desempenho dos atletas — normalmente, os campeonatos são usados para avaliação dos próprios treinos e comparação com o estágio de desenvolvimento dos adversários.

Daniel conta que não disputa provas internacionais desde o Mundial de 2019, em Londres, mas mesmo assim conseguiu manter os treinos ao longo da pandemia. Segundo ele, os problemas enfrentados nesta temporada não são a razão para deixar as piscinas profissionalmente:

“Vou me aposentar e estou muito em paz com isso. Não é uma decisão fácil a ser tomada, afinal, é uma vida dedicada a isso, e não foi algo que decidi do dia para noite. Em conversas com a família, com os filhos, fui ponderando as coisas e vi que meu ciclo na natação deveria se encerrar em Tóquio mesmo.”

Ele analisa que poderia tranquilamente continuar nas provas, se assim quisesse. E que não está em “decadência”. Chama o encerramento da vida de atleta como algo muito “pessoal” e atribui a decisão também à necessidade de compartilhar mais momentos com os três filhos, Asaph, Daniel e Hadassa.

“Queria estar mais próximo deles, aproveitar alguns momentos que fui abdicando ao longo da vida de atleta. Não quer dizer que o Daniel se arrependa, pelo contrário, faria tudo de novo. Fui em busca dos meus sonhos e minha família me apoiou nisso”, afirma.

Agora, diz o atleta, é hora de retribuir toda a compreensão e o apoio que recebeu:

“Chegou um momento que eu vi o que meus filhos me pediam. Coisinhas simples, mas por causa dos treinos eu não tinha energia para brincar, ou não podia jogar futebol com eles por medo de lesões. São coisas que para eles ficarão marcadas.”

As crianças, ele conta, pularam de alegria ao ouvir seu desejo de se aposentar. No mesmo instante, passaram a listar a quantidade de coisas que poderiam fazer juntos com a presença do pai.

Legado

Nascido com uma má-formação congênita que afetou seus braços e a perna direita, Daniel Dias debutou nas competições de natação em 2006. O gatilho para a carreira premiada ocorreu dois anos antes, ao assistir pela televisão à performance de Clodoaldo da Silva, também nadador paralímpico, nos Jogos de Atenas-2004. O futuro do esporte paralímpico, para que outros brasileiros possam trilhar o mesmo caminho, está intimamente ligado à formação da base de atletas, acredita. Para colaborar com o processo, quer restabelecer as operações de seu Instituto Daniel Dias — as atividades do centro de treinamento foram suspensas durante a pandemia, mas ele diz que o projeto ganhará atenção especial na nova etapa de sua vida, fora das piscinas.

Ao sair da raia de competição, Daniel deixa um vácuo de seu brilhantismo: nesse momento, ainda não há um atleta que possa superar seus feitos. Há, contudo, um rapaz de 22 anos, ainda iniciante no alto rendimento, para quem ele imagina ser possível passar o bastão de sucessor.

“Tem o Gabriel Bandeira, que surgiu (no circuito) este ano e é um nadador excepcional. Realmente, eu gostaria de ter um sucessor, gostaria de uma continuidade no esporte. Faço sempre questão de falar sobre o Clodoaldo, porque isso é muito importante, ter alguém para se espelhar. Espero que esse menino possa superar minhas conquistas, mas que demore um pouquinho, tá?”, diverte-se.

Em relação aos filhos, ele diz que incentiva a prática esportiva, mas que os herdeiros ainda não se voltaram às práticas de alto rendimento. Ainda é cedo, o pai explica. As aulas de natação, porém, estão garantidas.

“É uma questão de sobrevivência”, garante.

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