Quarto do mundo no tênis de mesa, brasileiro revela convite para jogar na China e aproveita permanência no Brasil para bater uma bola (também no basquete) com o pivô Bruno Caboclo
Por José Renato Ambrósio e Marcel Merguizo / GE
19 de maio de 2022 / São Paulo (SP)
Hugo Calderano tem apenas 25 anos e já é o melhor brasileiro da história do tênis de mesa e um dos melhores do mundo. Atual 4º colocado no ranking mundial, atrás apenas de três chineses, o mesa-tenista carioca também esbanja habilidade em outros esportes. Vôlei, tênis, ginástica e basquete, além da velocidade na montagem do cubo mágico, estão entre as modalidades que Calderano apresenta ótimos dotes atléticos.
Por esses motivos, nessa atual passagem pelo Brasil, após romper contrato com o Orenburg, da Rússia, o Globo Esporte convidou o atletas com participação nas duas últimas Olimpíadas para bater uma bola –laranja– com o jogador de basquete Bruno Caboclo, pivô do São Paulo, também com passagens pela NBA. Antes, porém, Calderano concedeu uma entrevista exclusiva em que fala da ligação com outros esportes, a possibilidade de ir jogar em uma liga da Ásia –pode ser na China ou no Japão– e o objetivo de conseguir uma medalha nos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Confira a íntegra aqui no ge:
Bom momento nos últimos anos
Os últimos anos foram bem especiais pra mim. Muito difíceis para todo mundo, com a pandemia, mas acho que consegui evoluir bastante em termos de nível técnico no tênis de mesa. Depois das Olimpíadas de Tóquio, consegui dar um salto no meu desenvolvimento como atleta e atingir o maior nível da minha carreira até agora. Cheguei na terceira posição do ranking mundial e tenho certeza que o ciclo vai ser muito curto e passar muito rápido até Paris, então a gente não tem tempo a perder. É continuar treinando e focar nas competições, passo a passo, mas com foco em Paris.
Brasileiro entre os melhores num universo chinês
O tênis de mesa sempre foi muito dominado pelos asiáticos e, principalmente, pelos chineses que ganharam quase todas as medalhas de ouro em Olimpíadas e dominam o esporte há muitos anos. Então eu conseguir chegar perto deles e passar a ganhar de alguns deles é um feito muito grande pro tênis de mesa brasileiro. Não só eu, mas todos os atletas da seleção brasileira têm evoluído muito. O tênis de mesa subiu muito nos últimos anos e fico muito feliz de liderar esse processo e também ajudar os que vêm depois de mim para fazer o tênis de mesa um pouquinho mais popular no Brasil e espero não parar por aqui. Tem agora só dois (na atualização do ranking, são três) chineses na minha frente. Espero continuar evoluindo e ganhar deles nas competições importantes, Mundial e Jogos Olímpicos.
Momento da virada
Acho que é difícil lembrar quando foi esse clique, essa virada, mas nas primeiras competições que participei internacionalmente, na categoria adulto, eu tinha 15 anos. Então claro que eu olhava para os chineses e os melhores do mundo de uma forma diferente e, principalmente, tentando aprender. Nunca tive um cara que falasse que era meu ídolo no tênis de mesa, mas sempre procurei aprender com todo mundo. Mesmo jogadores que às vezes têm um nível mais baixo que o meu, eu posso me inspirar de alguma forma em alguma coisa que eles façam bem. Claro que com o passar do tempo fui vendo que estava evoluindo bastante, que comecei a ter possibilidades de ganhar de jogadores muito fortes e tudo foi acontecendo de uma forma natural. Até que, depois das olimpíadas do Rio subi de 50 para 30 e, no mês seguinte, para número 20 do mundo, e ali já estava entre os melhores e o objetivo não pode ser diferente do que ganhar dos chineses nas competições importantes.
Como um brasileiro é visto nessa elite
Não sei exatamente como eles me veem, mas deve ser bem estranho para eles. Eu tenho um estilo de jogo bem peculiar, muito diferente do que o mundo do tênis de mesa já viu. Eu tenho um jogo muito agressivo, bem diferente de tudo. Jogo forte dos dois lados, tanto no backhand como no forehand, e procuro botar sempre intensidade de jogo alta que eles não estão acostumados. Eles têm um nível incrível, técnica muito boa, mas o estilo de jogo é diferente, geralmente um backhand mais regular e conseguem colocar mais força com o forehand, mas eu sou mais agressivo ainda que eles e acho que estão aprendendo esse estilo de jogo também.
É jovem, mas já com experiências
Sim, comecei relativamente cedo a jogar tênis de mesa. Comecei com 8 anos. E a treinar sério com 14 anos, quando me mudei para São Caetano para treinar mais forte. Mas para o tênis de mesa isso não é muito cedo. Os asiáticos começam a treinar muito mais cedo. É difícil competir na parte técnica, e eles têm conhecimento muito alto também. Eu sei que um atleta asiático 10 anos mais novo que eu, tem muitas horas de treino a mais na mesa do que eu. Ao longo da minha carreira eu tentei compensar essa vantagem que eles sempre tiveram, técnica, com a parte física e mental. Agora sinto que cheguei, que minha parte técnica também chegou num nível bem alto. Talvez não igual aos chineses na parte técnica, mas com a parte física e mental.
Rotina de um mesatenista de elite
É, eu me mudei do Rio para São Caetano com 14 anos. E com 18 fui para a Alemanha, para jogar num clube alemão, pela Bundelisga, a primeira divisão da liga alemã de tênis de mesa. E treino lá, moro lá, há 8 anos. Estou bem adaptado à cultura. No início não foi tão fácil, mas agora já me adaptei bem. Moro na cidade de Ochsenhausen, de oito mil habitantes, basicamente só tem tênis de mesa. A única coisa que faço lá é treinar mesmo, mas isso ajuda a manter o foco também! (risos) Minha rotina mais ou menos é treinar duas vezes por dia, 3 horas de manhã e 3 horas de tarde, o estilo clássico do treinamento no tênis de mesa e agora de um ano para cá, mudei um pouco meu treinamento. Por conta do meu estilo de jogo agressivo e muito intenso, isso acaba exigindo muito do meu corpo, então preciso e mais tempo de recuperação, de repouso para botar essa intensidade a 100% quando estou na mesa. Então eu comecei a treinar um período mais longo, para ter a parte da manhã mais livre e me recuperar, regenerar os músculos. Começo às 4 horas e vou até 8, 9 horas da noite. São 3 horas e meia na mesa e mais uma de parte física.
Pingue-pongue ou tênis de mesa
Não o fende! Acho que tem que chamar mesmo. Por muitos anos a gente separou o tênis de mesa do pingue-pongue e acho que isso não é bom para nossa modalidade, até porque pingue-pongue todo mundo já praticou e, a gente separando, o povo fica afastado do esporte profissional. Acho que pode chamar como quiser, se quiser pingue-pongue ou tênis de mesa, os dois tão certos e a gente tem que unir o pessoal que joga só por lazer e os atletas profissionais.
Jogar na Ásia
A liga chinesa é a mais forte do mundo inteiro, muitos atletas que nem participam de competições internacionais, que não fazem parte da seleção chinesa e que tem um nível altíssimo e jogam muito bem, principalmente na China, a casa deles, né? E acho que isso poderia me ajudar a desenvolver ainda mais o meu jogo, principalmente jogando contra os melhores chineses, o Ma Long e o Fan Zhendong. Eu já fui convidado algumas vezes para jogar por um clube na liga chinesa, mas não era o momento. Depois chegou a pandemia que dificultou o processo, tudo ficou mais fechado… Mas essa é uma coisa que tenho em mente, sim, para o futuro próximo, quem sabe jogar na liga chinesa e estar entre os melhores do mundo também.
Rompeu contrato com clube russo
Essa foi minha primeira temporada nesse clube russo e começou muito bem. Terminei invicto, ganhei meus 17 jogos pelo clube na liga russa e na Champions League e, quando a gente estava na semifinal da Champions, a gente ganhou o jogo de ida e depois fomos suspensos da liga por causa da guerra. Então, decidi rescindir meu contrato com o clube e não sei o que vou fazer para a próxima temporada. Tô avaliando as possibilidades ainda, mas uma situação chata. Claro que o tênis de mesa é a última coisa que você pensa nesse contexto, na situação atual do mundo, e acho que não é tão importante o que acontece comigo e meu clube nesse momento, mas ainda não sei o que vou fazer para a próxima temporada.
Paris 2024
Vai ser muito curto, a gente não tem tempo a perder. Eu tenho certeza que vou chegar a Paris ainda mais forte do que em Tóquio, acho que já evoluí bastante depois de Tóquio. Nos meses depois das Olimpíadas foi quando joguei meu melhor tênis de mesa e espero continuar evoluindo. Acho que sou uma criança ainda no tênis de mesa. Falei que os asiáticos têm mais horas de treino do que eu então acho que tem muito a continuar melhorando e vou continuar treinando com esse objetivo de conseguir uma medalha e, por quê não, uma medalha de ouro em Paris?
Preparação física x mental
Para mim a parte mental é a mais importante no tênis de mesa. É claro que tudo é importante, você tem que ter um conjunto de tudo. Se você tem uma parte mental boa, acho que você pode saber como vai melhorar sua técnica, a parte física. Tudo parte da sua cabeça e é mais difícil treinar a parte mental, uma coisa mais abstrata. Mas acho que sempre foi um dos meus pontos fortes. Trabalhei com um psicólogo que me ajudou bastante, mas infelizmente faleceu antes das olimpíadas do Rio, mas eu uso o que ele me ensinou até hoje e acho que é coisa de você pensar muito no seu jogo. Tô sempre pensando no que posso fazer para melhorar. No alto nível é muito importante evoluir constantemente. Tem muitos atletas que saem da categoria juvenil e não conseguem melhorar mais… O esporte muda… Era mais lento do que é hoje em dia. Uma coisa que faço bastante e acho que ajuda é a visualização antes das competições importantes. Para quando chegar lá, já ter vivido essa situação muito mais vezes. Isso não deixa de ser um treinamento.
Esportes na vida
O esporte sempre foi uma parte muito grande da minha vida, meus pais e meu avô são formados em Educação Física, inclusive meu pai foi meu professor de Educação Física na escola e eu sempre gostei de praticar todos os esportes quando tenho tempo livre. Obviamente tênis de mesa é a minha profissão, mas quando tenho tempo livre o descanso é praticar outros esportes. Jogar basquete, vôlei, fazer qualquer coisa, jogar tênis… E quando pratico dois ou três esportes por dia é que fico satisfeito!
Transferir algo das outras modalidades para o tênis de mesa
Com certeza. Por um lado, eu ter praticado mais esportes, e demorei um pouco para treinar tênis de mesa de uma forma mais concreta, mais séria, eu perdi um pouco na parte técnica –e que acho que recuperei hoje–, por outro lado eu ganhei muito na coordenação, em saber competir, saber ganhar, na essência do esporte, acho que tudo isso me ajuda bastante no tênis de mesa também.
Basquete, especificamente, por quê gosta tanto
Comecei a gostar mais de basquete em 2015. Assisti às finais da NBA, foi a primeira vez que os Warriors ganharam com essa geração e fiquei encantado, já quis praticar na semana seguinte! Não jogava tão bem, jogava bem pela parte física. Sempre fui explosivo, ágil, tinha coordenação mas não tinha jogado muito basquete e fui melhorando. Praticando por diversão e gosto bastante. Como é um esporte dinâmico, tem muitas jogadas, pensamento rápido, trabalha em equipe, precisão nos arremessos, muitos movimentos para tirar o marcador da jogada e acho isso muito legal e interessante.
Sempre teve aptidão esportiva
Sempre tive uma certa habilidade para esportes, questão motora. Parte genética mais praticar desde um ou dois anos. O que eu sempre gostei é de brincar, inclusive meu aquecimento para um treino de tênis de mesa hoje é jogar um pouco de basquete, arremessar umas bolas, a gente tem uma tabela lá no ginásio. Ou então brincar um pouco de vôlei, fazer um ataque e defesa com meu preparador físico ou outro jogador. Sempre dinâmico e lúdico, e no final acabo até me aquecendo melhor e me divirto. Acho que muita gente pensa que o trabalho duro tá ligado ao sofrimento, tem que estar ali sofrendo senão não está trabalhando bem, mas pra mim sempre foi importante me divertir ao mesmo tempo que eu tô treinando. Quando você tá aproveitando o que tá fazendo acaba melhorando até mais rápido.
Momento emocionante na escalada do ranking
A questão do ranking eu fico muito contente, mas é um pouco mais frio. Você já sabe que vai subir para essa posição antes e não é aquele momento da adrenalina do jogo. Então os momentos que ficam marcados, as experiências muito boas são no jogo. Os Jogos Olímpicos do Rio foram momentos muito marcantes, jogar em casa, com a torcida daquele jeito foi incrível. Meus dois títulos de Jogos Pan-Americanos foram marcantes, a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos da Juventude, em 2014. E é pra isso que eu jogo tênis de mesa, para esses momentos especiais que ficam guardados na mente e no coração para sempre.
Legado que deixa para o tênis de mesa brasileiro
Um dos meus maiores objetivos sempre foi tornar o tênis de mesa mais popular no Brasil e acho que a gente tá no caminho certo, principalmente depois dos últimos dois Jogos Olímpicos. E sempre que volto para o Brasil, sinto a energia da galera jovem, vejo como me veem como ídolo e exemplo, e isso me dá muita energia para quando volto para o frio da Alemanha, longe da família. Acho que dou muito pra eles, eles podem me ver treinando, interagir comigo, mas pego essa energia da galera.