Alberto Murray Neto analisa a gestão atual e o momento político do esporte olímpico do Brasil

Alberto Murray Neto analisa a gestão atual e o momento político do esporte olímpico do Brasil

O ex-presidente do Conselho de Ética do COB critica possível candidatura de Paulo Wanderley ao terceiro mandato e aponta caminhos para o esporte brasileiro.

Por Paulo Pinto / Global Sports
2 de julho de 2024 / Curitiba (PR)

Nesta entrevista Alberto Murray Neto, ex-presidente do Conselho de Ética e ex-membro da Assembleia Geral do Comitê Olímpico do Brasil (COB), analisa o momento pré-eleitoral da entidade e manifesta sua vontade de ver grandes mudanças acontecerem. Familiarizado com o ambiente olímpico, ele prevê a judicialização do processo, caso o presidente Paulo Wanderley Teixeira se candidate a um terceiro mandato.

“Vejo que ele trabalha fortemente nesse sentido, o que obviamente só irá revelar após os Jogos Olímpicos de Paris. Por outro lado, há um grupo de dirigentes pertencentes a uma nova safra que não concorda com isso e terá apoio de atletas para confrontar essa pretensão.”

Segundo Murray, Paulo Wanderley age erradamente sob dois aspectos: o legal e o moral. “Ainda que consiga uma liminar num mandado de segurança que possibilite sua candidatura, esse instrumento poderá ser cassado após o julgamento do mérito. Com isso, a situação jurídica do COB ficaria muito vulnerável e delicada, algo indesejável numa entidade com enorme orçamento, grande parte constituído de recursos públicos.”

Murray avalia que Paulo Wanderley jamais esteve preparado para exercer a presidência do COB © thenews2.com / Depositphotos

Para respaldar esse argumento, Murray lembra que todos os ocupantes de cargos no Poder Executivo que tentaram um terceiro mandato tiveram suas candidaturas rejeitadas pelo tribunal eleitoral. As chances de que o mesmo ocorra com Paulo Wanderley, portanto, são muito grandes.

Do ponto de vista moral, vale assinalar que o atual presidente do COB assumiu o cargo na esteira do episódio mais dramático e desmoralizante da história do desporto olímpico do Brasil, que culminou com a prisão do presidente anterior. E ele prometeu a oxigenação política da entidade com uma mudança estatutária e um sopro de novos ares. “Então, sou contra o terceiro mandato por razões éticas, morais e jurídicas”, enfatiza Murray.

Independentemente das questões éticas e jurídicas, porém, nunca se deve menosprezar quem tem a máquina institucional nas mãos, em qualquer circunstância, até na escolha do síndico de um condomínio. O poder de quem tem a chave do cofre não pode ser ignorado nas eleições, e, para Murray, esse talvez seja o único capital político de Paulo Wanderley ao fim de seus dois mandatos.

Murray acredita que as próximas eleições no COB poderão tornar-se um marco histórico no movimento olímpico, uma oportunidade de romper com as práticas de dirigentes forjados no antigo ambiente esportivo – como Paulo Wanderley, por exemplo.

Mentalidade ultrapassada

Murray foi membro do COB de 1996 a 2008, e durante todo esse período conviveu com dirigentes das confederações, acompanhou a transição de Joaquim Mamede para Paulo Wanderley, no judô. “A formação dele – boa ou não – consolidou-se dentro da mentalidade daquela época. Agora, acho que o movimento olímpico do Brasil tem condições de atrair pessoas de uma nova geração, que não trazem ideias arraigadas de outros tempos.”

Apesar da relação de confiança que havia entre ambos, Murray hoje avalia que Paulo Wanderley jamais esteve preparado para exercer a presidência do COB. “No começo, ele estava cercado apenas por excelentes profissionais e executivos, que entendiam verdadeiramente do tema olímpico e da máquina desportiva. Mas não soube ler o ambiente, começou a desmontar aquela estrutura e no meio desse processo ele se perdeu. E mais: perdeu a confiança de peças-chave, que assim como eu se demitiram ou se afastaram da gestão.”

Murray esclarece, porém, que isso não tem nada a ver com os judocas chamados para integrar o novo staff. “Tenho enorme carinho e respeito pelo Rogério, assim como pelo Sebastian Pereira, que ocupam cargos relevantes. Mas o COB não pode ser a república do vôlei, do judô, ou de qualquer modalidade da qual seus dirigentes sejam originários. É como compor um ministério: não se pode privilegiar um grupo, mas organizar uma diretoria plural. Para mim, isso não ocorreu e o que houve faz parte, sim, de um projeto de poder ultrapassado e tirano.”

Arrogância e prepotência

Já em relação à substituição de Jorge Bichara, que estava há 17 anos no COB, por Ney Wilson, outro oriundo do judô, Murray lamenta a saída de um diretor técnico de tanta experiência, mais afeito à pluralidade que o cargo exige. “Tenho grande respeito pelo Ney Wilson, uma pessoa vitoriosa no judô. Mas, antes de Bichara chegar ao posto que ocupava, teve muito tempo para se preparar dentro do próprio COB. Talvez o Ney Wilson tenha queimado algumas etapas, tanto é que hierarquicamente hoje está relegado a um segundo plano.”

Após saída tumultuada e inesperada do COB, Jorge Bichara assumiu a diretoria técnica da Confederação Brasileira de Atletismo e em janeiro foi contratado para assumir a direção técnica da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) © Bárbara Mendonça / LANCE!

Quando Paulo Wanderley assumiu, Murray já imaginava que, assim que dominasse o funcionamento da máquina do COB e após os Jogos Olímpicos de Tóquio, ele iria mandar embora todos que ocupassem cargos estratégicos e substituí-los por pessoas de sua confiança. “Claro que o presidente tem todo o direito de trabalhar com as pessoas em que confia, mas os interesses do esporte nacional estão infinitamente acima disso. Uma coisa é a história e a tradição nacional do esporte olímpico, outra coisa é o projeto de poder de um dirigente que se perpetuou no judô e agora quer fazê-lo no COB.”

Autoritarismo e ingratidão

Jorge Bichara foi dispensado sem que Paulo Wanderley consultasse seu vice-presidente ou a Comissão de Atletas, demonstrando sua intenção de submeter todas as esferas do COB. E isso se confirmou quando ele afastou Marco La Porta.

“Foram dois erros muito graves”, diz Murray. “Primeiro, com relação a Bichara, que vinha conduzido a área do esporte com muita competência e obtendo resultados expressivos, sendo muito querido pelos atletas. E Marco La Porta representa até hoje a nova geração de dirigentes que trabalhou muito pelo COB. Ele foi um excelente chefe de missão, demonstrando grande capacidade de organização e de respeito à hierarquia.” Não faz sentido, portanto, achar que em algum momento La Porta tenha desafiado a autoridade do presidente.

Outra demissão injusta, na avaliação de Murray, foi a da diretora jurídica Ana Paula Terra, que deu grande ajuda a Paulo Wanderley no momento em que ele precisou assumir o COB. Era uma situação extremamente delicada, já que o presidente anterior estava preso. “A área jurídica é muito importante, e foi ela quem tranquilizou Paulo e mostrou os caminhos e contornos da gestão olímpica. No entanto, quando ele já se sentia seguro no cargo, nomeou Luciano Hostins, seu fiel escudeiro e ex-assessor jurídico da Confederação Brasileira de Judô. Hostins é advogado respeitado, mas ainda assim, o tratamento dado a Ana Paula foi, no mínimo, desproporcional e desrespeitoso.”

Marco La Porta representa a nova geração de dirigentes que trabalhou muito pelo COB © Agência Brasil

Mas as demonstrações de poder de Paulo Wanderley não pararam aí. É incompreensível o desligamento da medalhista Isabel Swan, que conduzia um trabalho relevante no COB Mulher, cuidando de assuntos delicados como a equidade de gênero. “Foram atos mesquinhos”, acentua Murray. “Quando casos que envolviam atletas chegavam à Comissão de Ética, era sempre a Isabel que comparecia às audiências, o que demonstra sua representatividade e liderança entre as atletas. “Enquanto eu presidi o Conselho de Ética, em todos os casos que envolviam atletas, exigia a presença de um representante da Comissão de Atletas nas audiências. Isabel Swan esteve em algumas. Poliana Okimoto também.”

Segundo Murray, velhos conhecidos de Paulo Wanderley Teixeira afirmam que este sempre usou esse modus operandi, desde o período em que era presidente da Federação Espiritossantense de Judô. Um dos maiores exemplos foi a forma como tratou seu mentor, professor Joaquim Mamede, que sempre o tratou como filho e o projetou no cenário esportivo. Após sua ascensão ao poder na CBJ, nunca mais conversou com o ex-dirigente que lhe abriu espaço.

Estatura do atual presidente do COB

Narrativas de atos mesquinhos se multiplicam quando se analisa a gestão de Paulo Wanderley. Na cerimônia que comemorou 100 dias para os Jogos de Paris, Yane Marques, ex-presidente da Comissão de Atletas do COB, medalhista olímpica, foi simplesmente ignorada na lista de convidados. Teria isso a ver com o fato de ela pretender candidatar-se a algum cargo nas próximas eleições da entidade? Aparentemente sim, pois Marco La Porta, outro provável candidato, também ficou de fora.

“Acima de qualquer pretensão política que a Yane e o antigo vice-presidente Marco La Porta possam ter, eles fazem parte do movimento olímpico”, argumenta Murray. “A Yane, como grande atleta, medalhista, líder dos atletas, e La Porta, por toda a contribuição como presidente de confederação, vice-presidente e chefe de missão, deveriam ter sido convidados. Realmente eu lamento a falta de grandeza de Paulo Wanderley. Isso mostra a mesquinhez e a estatura do atual presidente do COB.”

Não é difícil imaginar que essa agressão explicita tenha causado estranheza aos atletas, especialmente por que foram eles que elegeram Yane presidente da comissão que os representa dentro do COB. “Coisas como essa não podem ser esquecidas e apagadas de uma hora para outra. Trata-se de um ato arrogante, agressivo e desproporcional”, desabafa Murray.

Yane Marques tem o apoio da Comissão de Atletas (Cacob) © Instagram

Claro que o presidente do COB tem o poder de fazer uma festa e o direito ele convidar quem ele quiser, mas isso não justifica o desprezo por tudo que a CACOB fez nos últimos quatro anos para a formação do Time Brasil e desenvolvimento das próprias atividades do comitê olímpico. Mais: a atitude de Paulo Wanderley pode ter consequências políticas, já que os votos dos membros da Comissão de Atletas são importantes na Assembleia Geral do COB.

Possibilidades e especulações

Rumores e conversas de bastidores cercam as próximas eleições no Comitê Olímpico do Brasil. Profundo conhecedor do movimento olímpico e dos meandros da entidade, Murray mostra-se atento a todas essas movimentações. E entusiasma-se com a provável candidatura de La Porta e Yane. “São duas pessoas que unidas representam renovação e uma proposta realmente nova dentro do COB. Ambos já exerceram cargos importes na instituição e sabem como as coisas funcionam.”

Por outro lado, considera mera especulação a indicação de alguns nomes, como o de Wlamir Motta Campos, presidente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt). “Ouvi rumores a esse respeito, mas nenhuma afirmação dele. Trata-se de um dirigente novo, que representa uma mudança positiva no atletismo, mas neste momento seria melhor para a modalidade que ele cumpra o segundo mandato que a lei possibilita.”

Já a escolha do substituto de La Porta na vice-presidência – Alberto Maciel Júnior, ex-presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD – parece não ter nenhuma importância no processo sucessório. “A eleição que vale mesmo é a do fim do ano”, constata Murray. “De qualquer maneira, a escolha do Paulo Wanderley mostra que ele não tem apoio dos atletas. Se tivesse, estrategicamente, teria escolhido um deles para vice-presidente.”

O nome de Maciel para compor a chapa de Paulo Wanderley, na hipótese de ele candidatar-se ao terceiro mandato, é igualmente irrelevante. “Creio que, se ele for o escolhido para vice-presidente, não tem muito a agregar em termos de voto”, calcula Murray. “Pode ser que a competência seja boa, não conheço este vice-presidente, mas eu me refiro à questão meramente política.”

Os últimos meses de mandato de Paulo Wanderley antes dos Jogos de Paris constituem um ponto de referência, como seria em qualquer outra gestão. Não se trata de contar o número de medalhas, mas de observar a organização do Time Brasil que vai à França, se a delegação estará bem preparada. “É uma tarefa muito difícil, mesmo com todos os recursos que o COB tem hoje”, reconhece Murray. “Só lamento que esse fim de mandato esteja muito mais voltado para uma reeleição do que para o projeto olímpico propriamente dito. Acho que este quadro pode atrapalhar bastante.”

Chama a atenção, também, o fato de o presidente do COB aparentemente ter a função como único meio de vida. Mas para Murray isso não depõe contra ele. “Hoje em dia a remuneração dos dirigentes esportivos é comum. Tendo em vista o tamanho do Comitê Olímpico do Brasil e de várias confederações há necessidade de um presidente dedicado inteiramente à entidade.”

O que não se pode ignorar, porém, é que os tempos mudaram e que as entidades esportivas precisam renovar seus mandatários. Trata-se de uma questão atrelada aos novos conceitos de administração, de ética, governança e integridade; a alternância no poder tornou-se imperativa.

“Então”, resume Murray, “os presidentes de confederação e do COB não devem almejar mais do que dois mandatos. Acho que o desejo de continuar por mais tempo, além de ilegal, é uma demonstração clara de que o dirigente não se modernizou.”

Otimismo para Paris?

“Eu sempre sou otimista com relação às medalhas, mas dentro de uma realidade”, comenta Murray. “Acho que o Brasil nas últimas edições dos Jogos Olímpico trafega numa expectativa de 15 a 20 medalhas, considerando que muita coisa pode dar errado, muita coisa pode dar certo ou que tudo pode ocorrer como esperado.”

Convidado pelo ex-senador Cristovam Buarque, Murray foi ao Congresso Nacional para falar sobre a candidatura do Rio 2016 e política esportiva no Brasil © Arquivo

Em Tóquio o desempenho foi um pouco acima da média, mas dentro da margem de erro. E Murray não espera um salto de qualidade significativo e nem tampouco um retrocesso. “Eu sempre contabilizo os resultados olímpicos não em medalhas, mas em semifinais e finais disputadas. Valorizo muito mais quem chega às finais e não ganha do que três ou quatro medalhas de ouro enganadoras.”

Por exemplo: um país ganha seis medalhas de ouro numa modalidade e não se destaca em nenhuma das outras. Segundo Murray é mais eficiente outro país que consegue só três ouros, mas participa de grande número de finais, em diferentes esportes.

Sonho efêmero

No começo do primeiro mandato de Paulo Wanderley, Murray esperava que os métodos de gestão fossem mudar, apesar de ele ter substituído as pessoas que já conheciam o COB por elementos que o seguiam no judô. “Eu tive uma relação com ele muito boa, tive absoluta liberdade de montar o Conselho de Ética e fazê-lo funcionar da maneira como nós, conselheiros, entendíamos.”

O encanto se desfez quando Paulo Wanderley anunciou a mudança estatutária. Segundo Murray, ele o consultou para saber se os conselheiros queriam sugerir alguma alteração. E a resposta foi: “Não temos sugestão nenhuma com relação ao Conselho de Ética porque está funcionando bem. Mas, se você for mudar alguma coisa em nossa área, queremos saber antes”.

Na véspera da assembleia geral em que seria proposta a mudança estatutária Paulo Wanderley enviou o texto a Murray, que estava nos Estados Unidos. “Eu pensei em nem ler, pois ele não havia falado nada sobre mudanças e a nossa relação era transparente e aberta. Então, recebi uma mensagem do conselheiro Sami Arap, alertando para interferências que mudariam o caráter do Conselho de Ética e dizendo que pediria demissão se elas fossem aceitas.”

Murray, então, explicou aos conselheiros que não tinha sugerido as mudanças e começou a trabalhar, com a ajuda deles, para que elas não fossem aprovadas. “Se o Conselho hoje mantém a sua independência é porque eu comprei a briga pública – e não me cabia outro papel como presidente do Conselho. Eu não podia me acovardar e nem me apequenar naquele momento.”

“E, obviamente, eu bati de frente com Paulo Wanderley. Foi muito pesado, porque havia uma relação próxima de confiança, eu o havia representado em várias missões importantes do COB. Quando eu vi o que ele fizera no estatuto com relação ao Conselho de Ética, ou me resignava ou me rebelava, eu não ia aceitar aquilo passivamente. Ele, claro, manifestou descontentamento. Eu raciocinei bem e decidi: dessa vez eu vou sair.”

Depois que Murray se demitiu, algumas pessoas disseram que ele tinha um plano armado, que queria ser candidato a presidente. “Eu nunca tinha pensado nisso. Existia, sim, um movimento de oposição e fui procurado por dirigentes de confederações e atletas. Fizemos algumas reuniões, apresentei um projeto com quase 100 itens, mas no fim acabei traído. Um dia depois do registro da chapa, o candidato a vice-presidente, ex-presidente da Confederação de Boxe, desistiu e nada foi para a frente. Foi uma das maiores cafajestadas que vivi. Posso voltar a participar de uma nova campanha eleitoral, mas não como candidato. Estou à disposição para ajudar aquele com quem me identificar ideologicamente.”

Rompimento com o passado

Depois de tantas críticas à atual gestão, como Murray descreveria o dirigente ideal? “Eu espero que ele, em primeiro lugar, consolide as mudanças estatutárias, que represente realmente o rompimento com o passado. Que seja o ponto de inflexão no movimento olímpico, que traga consigo pessoas que possam conduzi-lo daqui para frente. E que seja plural. Que valorize o espírito olímpico na sua essência. O esporte brasileiro cresceu e se desenvolveu inspirado no pensamento ainda romântico propalado por Pierre de Freddy, o Barão de Coubertin. Impossível não lembrar dos remadores que, nos primórdios, faziam da garagem de barcos sua moradia, de modo que pudessem treinar sem que houvesse prejuízo em suas atribuições profissionais. Ou do marinheiro Adalberto Cardoso, que nos Jogos Olímpicos de 1932 chegou em último lugar na prova dos 10 mil metros e foi aplaudido de pé pelo estádio, que durante a prova tomou conhecimento de sua história. No dia seguinte, os jornais o qualificaram como ‘O Homem de Ferro’.” É importante, ainda, que tenha experiência administrativa compatível com o cargo, que esteja aberto a novas ideias, que aceite críticas construtivas como incentivo para melhorar, e não como afronta. Enfim, que tenha equilíbrio e serenidade suficientes para comandar o COB.

“O mundo do esporte pode ser muito sedutor”, define Murray. “O dirigente mergulha num universo que talvez nunca tenha imaginado. Ele vai conviver no mundo olímpico, conhecer grandes atletas que admirou ao longo da sua vida. Começa a encontrar-se com chefes de Estado, atores, atrizes, reis, rainhas e outras celebridades.”

Alberto Murray na pista do Ibirapuera após a conquista de um título paulista de atletismo em 1981, sendo prestigiado por seu avô, Sylvio de Magalhães Padilha, presidente do COB entre 1963 e 1990 e também membro do COI © Arquivo

Daí a dificuldade de o dirigente manter o foco naquilo que é o mais importante: trabalhar pelo esporte. E ser tentado a se perpetuar no cargo porque, se perder aquilo tudo, voltará a ser um cidadão comum.  “Então, quem chega à presidência de um Comitê Olímpico tem de manter a sua serenidade e seu equilíbrio, fugir das armadilhas da vaidade e trabalhar pelo esporte sabendo que aquilo um dia vai acabar.”

Além da firmeza de caráter, o próximo presidente deve ter condições de expandir as ações que o COB desenvolve hoje. Isso significa mais participação dos atletas e dos próprios dirigentes nas mudanças; que eles não sejam ouvidos somente nos momentos críticos; que o conselho de administração nos clubes seja efetivamente um órgão independente e não sirva apenas para referendar aquilo que a diretoria aprovou.

“O que eu tenho em mente é que o Brasil vai melhorar esportivamente quando nos tornarmos uma nação com mentalidade olímpica. Então, que se leve essa questão do pensamento olímpico para as escolas, de forma muito mais intensa do que se faz hoje. Não sei se o COB ainda tem parceiros para algumas escolas, mas eu acho que isso pode ser feito de maneira mais aprofundada, em convênios com o Ministério da Educação, secretarias estaduais e municipais de Educação.”

“Apesar da relação de confiança que havia entre ambos, Murray hoje avalia que Paulo Wanderley jamais esteve preparado para exercer a presidência do COB.”

Outra proposta é a recriação da Academia Olímpica Brasileira – não para cuidar da parte cultural, com faz a gestão de Paulo Wanderley – mas que discuta conceitos e princípios. “Quando o COI editou a Agenda 2020, depois do grande escândalo da eleição de Salt Lake City para os jogos de inverno de 2002”, lembra Murray, “o Comitê Executivo chamou a academia para discutir sua reconstrução.”

Foi então que nasceram as regras e as bases que resgataram a credibilidade da organização e lançaram as sementes para os 20 anos seguintes. “Eu sou graduado pela Academia Olímpica Internacional”, conta Murray, “então eu acompanho tudo. Foi lá que o COI encontrou a fonte para recriar suas estruturas. Eu acho que o COB deveria fazer algo semelhante.”

Ou seja, cabe à entidade espalhar a palavra olímpica aos quatro cantos, divulgar a mentalidade esportiva, infundir nas pessoas e nos jovens o gosto por praticar esporte. Aproveitar a quantidade para garimpar qualidade.

“Somos um País incrível. Sempre acreditei que aqui há bons atletas, bons ginastas, bons lutadores de boxe, bons canoístas – campeões em todas as modalidades. A questão é fazer isso aflorar. E só vamos conseguir isso no momento em que o Brasil inteiro começar a praticar esporte.”

Murray entende que o COB pode ter também uma missão importante em democratizar o acesso ao esporte em localidades e pequenas cidades por meio de convênios. Quando foi candidato,

Murray visitou os dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que por intermédio do Sesi mantém notável empreendimento esportivo, não só em termos de instalações físicas, mas de pessoal, como professores, técnicos e outros profissionais.

“Eles me disseram que nunca tinham sido procurados por dirigentes de confederações ou do COB, mas que estavam dispostos a colocar a estrutura deles a serviço do movimento olímpico.” Para Murray, o que se faz em São Paulo pode ser feito em todo o País – e o COB tem dinheiro e expertise para isso. Basta ter vontade.

“Seria muito importante, até socialmente. Medalha olímpica é o resultado de um trabalho social e esportivo de anos que cabe ao Estado, ao Comitê Olímpico e às confederações. É preciso atrair as pessoas para o esporte e torná-lo acessível a todos. Quando o Brasil fizer isso, quando os diferentes órgãos conversarem entre si – o que não acontece –, em 12 anos, três ciclos, teremos uma delegação olímpica muito mais forte e as 20 medalhas vão pular para 35.”

Traduzindo: o governo federal, independentemente de quem esteja no poder, precisa ter o esporte como prioridade, como elemento de educação e de saúde pública. O mesmo vale para as administrações estaduais e federais.

Mentores e influenciadores

As áreas de marketing e comunicação do COB não escaparam das críticas de Murray, que chegou a escrever um artigo intitulado Padrinhos do Time Brasil, no qual aponta a péssima escolha de celebridades e não de esportistas consagrados para “inspirar” os atletas que vão a Paris. No fundo, uma constatação de que as pessoas que tomam as decisões midiáticas desconhecem o ambiente olímpico.

“Parece que elas querem gerar engajamento em mídia social. Escolheram algumas figuras – cuja capacidade profissional desconheço e não questiono – sem relação nenhuma com o movimento olímpico. Delegação olímpica não é circo. Eu entendo que mídia social é importante, mas acho desrespeitoso com o atleta que vai empenhar todo o preparo de anos nesse momento.”

Murray observa que, se o objetivo é conseguir engajamento em rede social, que se faça isso por meio do esporte, por meio de pessoas que irão a Paris para obter bons resultados e que podem inspirar-se em ex-atletas que já conseguiram grandes feitos.

Por falar em rede social, outro fato chocante merece ser mencionado: a indicação de um cidadão chamado Joel J para ser mentor do Time Brasil, que acabou não se concretizando. “Não entendo o que seja um mentor, se não for psicólogo, técnico ou profissional capacitado, que estudou para isso numa universidade.”

Aliás, o Comitê Olímpico tem uma equipe de profissionais qualificados para ajudar os atletas nessa preparação mental antes das competições. “Não existe mágica. Esporte olímpico é coisa séria, mas certas pessoas que habitam esse cenário, sendo da diretoria ou não, parecem não respeitar o trabalho e o esforço de quem é do ramo”, conclui Murray.

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