Parlamentares denunciam intimidação e ameaçam cortar financiamento da agência internacional; caso dos nadadores chineses reacende crise de credibilidade no combate ao doping.
Por Alex Oller / Inside The Games
Adaptação: Paulo Pinto / Global Sports
Curitiba, 23 de junho de 2025
A tensão entre os Estados Unidos e a Agência Mundial Antidoping (WADA) escalou mais uma vez nesta semana, com senadores norte-americanos partindo para o ataque contra a entidade sediada em Montreal. O foco do embate gira em torno de acusações de omissão, suposto acobertamento de casos de doping envolvendo atletas chineses e denúncias de táticas de intimidação por parte da direção da agência.
A crise teve origem em abril de 2024, quando veio à tona que 23 nadadores chineses haviam testado positivo para uma substância proibida em 2021, mas ainda assim foram autorizados a competir nos Jogos Olímpicos de Tóquio e Paris. O caso provocou indignação em grupos de atletas, na opinião pública norte-americana e na USADA (Agência Antidoping dos EUA), que consideraram a conduta da WADA como um possível acobertamento. Desde então, o relacionamento entre a agência internacional e as autoridades dos EUA tem sido marcado por desconfiança e embates constantes.

A mais recente ofensiva ocorreu durante uma audiência no Senado, presidida pela senadora republicana Marsha Blackburn. A parlamentar acusou a WADA de adotar uma postura agressiva diante das cobranças dos Estados Unidos. “A WADA não forneceu respostas. Só vimos ameaças, obstrução e intimidação. Meus colegas e eu não seremos silenciados”, declarou a senadora do Tennessee, que apresentou um projeto de lei bipartidário — a Lei de Restauração da Confiança na WADA — que permitiria à Casa Branca reter o financiamento norte-americano caso discorde de políticas e procedimentos da agência.
“Os EUA são o maior financiador da WADA, mas nossas preocupações têm sido tratadas com desdém, e os atletas, com desrespeito. O que exatamente eles estão escondendo?”, questionou Blackburn durante a sessão.
Michael Phelps e Katie Ledecky apoiam a investigação
O embate também envolve nomes de peso do esporte. Ícones da natação como Michael Phelps e Katie Ledecky manifestaram apoio à investigação e participaram de audiências no Congresso às vésperas dos Jogos de Paris 2024. A crítica à agência ganhou ainda mais repercussão após o presidente da WADA, o polonês Witold Bańka, lançar ataques públicos contra o dirigente da USADA, Travis Tygart, e contra o projeto Enhanced Games — competição privada que promove abertamente o uso de substâncias dopantes e está prevista para ocorrer em Las Vegas, em 2026.
“Não podemos permitir que os Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028 sejam ofuscados por essa tentativa cínica de minar o esporte limpo”, declarou Bańka, ex-ministro do Esporte da Polônia. “A WADA está pedindo às autoridades dos EUA que tomem providências legais para impedir a realização dos Jogos Avançados, pelo bem da saúde dos atletas e da integridade do esporte.”
Tygart desafia Bańka e acusa WADA de proteger atletas chineses
Diretor da USADA afirma que agência global evita confronto com o Senado dos EUA e atua para encobrir irregularidades; WADA responde e defende processo de investigação
A resposta de Travis Tygart às críticas do presidente da WADA foi rápida e contundente. Notório opositor de Witold Bańka, o diretor da USADA ironizou a postura do dirigente polonês e voltou a questionar a conduta da entidade. “A indignação de Bańka é proporcional à sua desinformação ou ignorância sobre como funcionam as sociedades e os mercados democráticos e livres”, afirmou.
Tygart reiterou sua oposição aos Enhanced Games, chamando a proposta de “má ideia por todas as razões óbvias”, mas não poupou críticas à WADA. Em mensagem enviada à agência France-Presse, o advogado da Flórida desafiou o presidente da WADA a comparecer à audiência do Senado, onde o caso dos nadadores chineses seria discutido. “Se ele realmente quer fazer pedidos às autoridades americanas, deveria vir pessoalmente pedir ao Senado que tome providências.”

O líder da USADA compareceu ao lado de figuras como Rahul Gupta, ex-diretor do Escritório Nacional de Políticas de Drogas dos EUA, e da nadadora olímpica Katie McLaughlin. Em seu depoimento, Tygart foi enfático: “Este escândalo na China surge logo após o doping sistemático promovido pelo Estado russo. Não é de se admirar que os atletas estejam indignados mais uma vez. Em vez de admitir falhas, a WADA opta por proteger os chineses e manter processos decisórios ocultos.”
Ele ainda destacou que a WADA se recusou três vezes a prestar esclarecimentos ao Congresso desde o surgimento do escândalo, o que, segundo ele, agrava ainda mais a falta de transparência.
Senado americano articula lei para suspender verba da agência
A WADA, por sua vez, justificou a ausência na audiência, alegando que o evento parlamentar era uma tentativa de manipulação política conduzida por Tygart. Em nota à imprensa, a entidade afirmou que “não se distrairá com uma audiência orquestrada para relitigar casos da natação chinesa e desinformar atletas e demais stakeholders”. A WADA voltou a afirmar que o caso dos 23 nadadores está relacionado à contaminação involuntária, e que não há provas de intenção de trapaça.
“A audiência política foi desenhada para minar a confiança no sistema antidoping global e semear a divisão dentro da comunidade esportiva”, destacou o comunicado oficial.
Apesar das divergências, ambas as agências concordam quanto à ameaça representada pelos Enhanced Games, evento pró-doping apoiado por Donald Trump Jr., filho do atual presidente dos EUA. Mesmo assim, as tensões entre Tygart e Bańka continuam acirradas, com o norte-americano acusando o rival polonês de usar o debate para alimentar uma retórica antiamericana.
“Ele tenta transformar esse espetáculo em uma cortina de fumaça para ocultar as falhas da WADA e, ao mesmo tempo, fomentar o sentimento contra os EUA”, declarou Tygart.
A senadora Marsha Blackburn, uma das autoras do projeto que visa cortar o financiamento norte-americano à WADA, sugeriu que chegou o momento do governo se posicionar. “Acredito que eles – a Casa Branca – precisam começar a agir.”
A audiência do Senado contou com apoio bipartidário. O senador democrata John Hickenlooper, do Colorado, reforçou as cobranças por mudanças profundas. “Não podemos permitir que a má conduta da WADA comprometa novamente os Jogos Olímpicos e tire de um atleta dos EUA seu lugar de direito no pódio. A agência precisa ser mais transparente e recuperar a confiança dos atletas.”