Legisladores conservadores dos EUA pressionam o COI a revisar políticas de inclusão de atletas transgêneros antes dos Jogos de 2028.
Fonte Alex Oller / inside the games
Curitiba, 17 de março de 2025
À medida que a eleição presidencial do Comitê Olímpico Internacional (COI) se aproxima, a maior organização esportiva global enfrenta uma crescente pressão de legisladores conservadores dos Estados Unidos, especialmente em relação às suas políticas sobre atletas transgêneros. O mais recente movimento dessa ofensiva foi uma carta endereçada ao atual presidente do COI, Thomas Bach, exigindo mudanças imediatas.
“O presidente Trump reafirmou a posição do povo americano e de muitos ao redor do mundo: devemos preservar a justiça, a segurança e a igualdade de oportunidades para as atletas femininas”, escreveram os políticos republicanos em seu apelo a Bach. A iniciativa ocorre em meio a esforços da nova administração dos EUA para desmantelar todas as iniciativas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) promovidas durante a gestão de Joe Biden.
A polêmica que reacendeu o debate
O debate sobre a participação de atletas transgêneros nos esportes ganhou ainda mais força após os Jogos Olímpicos de Paris 2024, quando as boxeadoras Imane Khelif e Lin Yu-Ting, ambas mulheres, conquistaram medalhas olímpicas. A polêmica se intensificou porque, meses antes, a Associação Internacional de Boxe (IBA) as havia declarado inelegíveis para competir na categoria feminina no Campeonato Mundial realizado em Nova Déli. Alguns críticos chegaram a sugerir que ambas eram transgênero, apesar dos esforços do COI para desmentir essas alegações.
A controvérsia se arrasta até o processo eleitoral do COI, que acontecerá em 20 de março na Grécia. Os sete candidatos à sucessão de Bach foram forçados a se posicionar sobre a questão, que promete ser um dos temas mais quentes da próxima gestão.

Na carta enviada ao presidente cessante, os legisladores reforçaram o apelo por mudanças no regulamento do COI para assegurar que “somente mulheres e meninas biologicamente femininas possam competir nas categorias esportivas femininas”. O documento, assinado por mais de duas dúzias de congressistas republicanos, foi liderado pelo senador James Risch, de Idaho, presidente do Comitê de Relações Exteriores, e pelo representante Burgess Owens, de Utah.
A pressão exercida sobre o COI entra em choque direto com a política adotada pela entidade nos últimos anos. O Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos (USOPC), por exemplo, mantém em seu site oficial uma posição clara sobre o tema: “A participação no esporte deve estar disponível para todos, independentemente da identidade de gênero. Ao mesmo tempo, devemos garantir que atletas não enfrentem riscos de segurança ou desvantagens competitivas extremas devido a diferenças fisiológicas.”
No entanto, os conservadores americanos adotam uma visão diferente e estão pressionando cada vez mais os órgãos esportivos, dentro e fora dos EUA, a restringirem a participação de atletas transgêneros nas categorias femininas. A proposta, segundo os republicanos, “alinhará futuras políticas do COI com a recente ordem executiva assinada pelo presidente Donald Trump”, medida elaborada com o apoio do bilionário Elon Musk, crítico declarado das políticas DEI.
Essa pressão já começou a surtir efeito. Após a Câmara dos Representantes aprovar um projeto de lei republicano proibindo meninas transgênero de participarem de esportes femininos em nível escolar, a batalha agora avança para o palco global: os Jogos Olímpicos. Com a edição de Inverno marcada para 2026 em Milão-Cortina e os Jogos de Verão de 2028 em Los Angeles, a discussão sobre a elegibilidade de atletas transgêneros promete dominar as pautas do COI nos próximos anos.
Cresce a pressão para que o COI reveja suas diretrizes
Caso o COI atenda às exigências dos legisladores republicanos, isso representaria uma guinada drástica em sua atual política, que delega às federações esportivas a responsabilidade de definir critérios para a participação de atletas transgêneros.
“Os Estados Unidos estão ansiosos para sediar os Jogos Olímpicos de Verão de 2028 em Los Angeles e receber atletas talentosos que trabalharam arduamente para atingir o auge de seus esportes”, escreveram os legisladores. “No entanto, é fundamental que o COI garanta que as competições femininas permaneçam justas e seguras.”
Outros líderes conservadores reforçaram o apelo, destacando que “as atletas olímpicas dos EUA inspiraram gerações de jovens mulheres ao redor do mundo a competir e se destacar”. Segundo eles, a integridade das competições deve ser mantida, e cabe ao COI garantir que o legado esportivo feminino não seja comprometido.
A ofensiva republicana já gerou impacto em outras organizações. A National Collegiate Athletic Association (NCAA), entidade responsável pelo esporte universitário nos EUA, anunciou, apenas um dia após a assinatura da ordem executiva de Trump, que sua política passaria a se alinhar à nova diretriz: somente atletas biologicamente femininas poderão competir na categoria feminina.
LGBTQIA+ denunciam a crescente exclusão de atletas trans
O tema é extremamente polarizador. Enquanto grupos conservadores insistem que atletas transgêneros possuem vantagens competitivas injustas, organizações de defesa dos direitos LGBTQIA+ denunciam a crescente exclusão dessas atletas dos esportes.
“As ordens executivas equivalem a uma campanha coordenada para impedir que pessoas transgênero tenham participação plena na sociedade”, afirmou Chris Erchull, advogado da GLBTQ Legal Advocates & Defenders (GLAD Law). “Negar oportunidades a jovens transgêneros durante seus anos mais vulneráveis é especialmente cruel.”
Além disso, uma reportagem do The New York Times revelou que o governo dos EUA já começou a instruir autoridades consulares a negarem pedidos de visto de atletas transgêneros que desejam competir nos EUA. Segundo a publicação, a administração Trump pretende impor restrições ainda mais severas no futuro.

Atualmente, a política do COI sobre o tema, chamada Framework on Fairness, Inclusion and Non-Discrimination on the Basis of Gender Identity and Sex Variations, estabelece princípios como prevenção de danos, equidade, privacidade e abordagem baseada em evidências científicas. Essa diretriz substituiu uma norma anterior de 2015, que exigia níveis de testosterona abaixo de 10 nmol/L por pelo menos 12 meses para permitir a participação de atletas transgêneros em competições femininas.
Em meio a esse cenário conturbado, o USOPC tenta garantir um equilíbrio entre inclusão e justiça. “Sabemos que mudanças políticas podem gerar incertezas para os atletas. Nosso compromisso é trabalhar junto aos órgãos reguladores para assegurar que todos possam treinar e competir da melhor maneira possível”, afirmou a entidade.
Para Nitra Rucker, vice-presidente de Diversidade, Equidade e Inclusão do USOPC, o esporte deve ser um espaço acessível para todos. “Líderes esportivos são influenciadores culturais. Nossa missão é garantir que todos tenham a oportunidade de competir e alcançar seus sonhos. Sem inclusão, não há um futuro sustentável para o esporte.”
Já para os legisladores republicanos, a questão deve ser tratada de forma diferente. Em sua carta ao COI, concluíram com um tom de ultimato: “Os Jogos Olímpicos devem ser um modelo de integridade esportiva. O próximo presidente do COI precisa assumir postura firme e proteger os direitos das atletas femininas e preservar a equidade nas competições.”
Paradoxo incontornável
O desfecho dessa disputa promete moldar profundamente o futuro do esporte olímpico, mas já expõe um paradoxo incontornável: a decisão do atual presidente do COI e de seu comitê executivo de permitir a participação de atletas transgêneros nas competições femininas criou um impasse que ameaça a própria integridade do esporte. Ao buscar inclusão sem considerar plenamente os impactos competitivos, o COI gerou uma crise que agora recairá sobre seu sucessor. Caberá ao próximo presidente equilibrar interesses políticos, sociais e esportivos em um cenário cada vez mais polarizado – e administrar as consequências dessa escolha controversa.