O uso de canabinoides por atletas

O uso de canabinoides por atletas

As contusões são muito frequentes na vida dos atletas e para aliviar dores é comum o uso de remédios e anti-inflamatórios cercados por efeitos colaterais. Faz-se necessário debater o que é ou não nocivo ao atleta.

Por Raul Thame de Toledo Almeida
9 de agosto de 2023 / Curitiba (PR)

Para que o atleta profissional se torne competitivo, é preciso que se submeta a uma exaustiva rotina de treinamentos físicos (Portal Educação Física, 2014). O treinamento para atletas é diferente do que se recomenda para manutenção da saúde. Em atletas de alto rendimento, o volume e a intensidade dos exercícios são maiores, específicos para cada modalidade. Os períodos de recuperação orgânica também são diferentes, assim como as necessidades energéticas e as dores que fazem parte da carreira esportiva (Algauer, 2015).

A carga extenuante de treinamento diário para atingir o nível de rendimento ideal (performance) muitas vezes está associada a ocorrências de lesões traumáticas. É o caso das lesões osteomusculares que afetam boa parte dos atletas (Portal Educação Física, 2014).

Uma preocupação antiga e já alertada é o uso indiscriminado dos anti- inflamatórios e analgésicos para tirar e até prevenir o aparecimento de doresdurante as atividades esportivas. Além de mascarar lesões iniciais, esta automedicação traz grande risco futuro para a saúde cardíaca e renal do esportista. Os efeitos colaterais variam conforme o medicamento, desde desidratação até perda da força muscular e piora da performance física, edema de membros inferiores e outros efeitos indesejados (Ghorayeb, 2017).

O ópio e seus derivados são utilizados há mais de 4 mil anos para diminuir a dor – e gerar sentimentos de euforia (Bem-Estar, 2016). Os atletas estão procurando um substituto menos invasivo, mais natural e com menores efeitos colaterais do que os analgésicos opioides comuns adotados há décadas para tratar a dor.

Embora existam muitas incógnitas, as evidências que comprovam a eficácia do canabidiol continuam crescendo. Um número cada vez maior de atletas acredita que é muito melhor consumir CBD do que sofrer com os efeitos colaterais de longo prazo do ibuprofeno, como aumento do risco de insuficiência cardíaca (Russo, 2008).

Mais atletas profissionais de diversas modalidades esportivas têm falado abertamente sobre o consumo do canabidiol (CBD), componente da maconha com propriedades anti-inflamatórias, para tratar suas lesões, aliviar a dor, melhorar a performance e aumentar a resistência em treinos e provas de longa duração. No entanto, produtos que contenham o tetrahidrocanabinol (THC), outra substância presente na maconha, merecem atenção dos atletas, pois continuam proibidos.

Um grande marco nesse cenário foi a retirada, em 2018, do CBD como doping para a prática de esportes pela Agência Mundial Antidoping (The World Anti-Doping Code 2019 WADA). Desde então, vem aumentando expressivamente, entre os atletas, o consumo de Cannabis medicinal rico em CBD, principalmente nos Estados Unidos, onde grande número de esportistas profissionais optou pelo seu uso, em detrimento dos medicamentos analgésicos/anti-inflamatórios farmacêuticos que apresentam efeitos colaterais e levam à dependência química (Nocetti, 2019). Ademais, nos EUA os produtos derivados de cânhamo são vendidos como suplemento alimentar, sem receita médica, ao contrário de analgésicos mais potentes.

A lista de substâncias proibidas no esporte é publicada pela Agência Mundial Antidopagem anualmente em outubro e entra em vigor em 1º de janeiro para garantir que atletas e treinadores tenham tempo suficiente para se conscientizar das alterações. Em janeiro de 2018, a WADA removeu o CBD de sua lista de substâncias proibidas e muitos atletas profissionais passaram a usá-lo como alternativa ao ibuprofeno, pois muitos deles acreditam que é mais seguro em relação aos analgésicos e anti-inflamatórios tradicionais, segundo artigo publicado por Graham Averill, colunista da Outside(Averill, 2018). Nele o autor relata experiências de vários ciclistas e triatletas que o usaram no lugar do anti-inflamatório para o tratamento de dores musculares decorrentes dos microtraumas provocados pelo exercício intenso (Angeli & Barros, 2018).

As substâncias citadas na lista de proibidas da WADA são aquelas que, de alguma forma, podem melhorar a performance do atleta perante os demais e anulam o espírito esportivo ou prejudicam a saúde. Desde 2018, há uma exceção para o CBD na lista de substâncias proibidas pela WADA.

Preocupados com retaliações atreladas ao consumo de Cannabis, muitos atletas preferem não se manifestar publicamente, o que evidencia uma das facetas vinculadas ao seu consumo: o preconceito. Entretanto, o álcool, até há bem pouco tempo listado como substância proibida pela WADA, não é causa de vergonha ou preconceito por parte da sociedade (Lima, 2019).

Muito embora a droga não pareça trazer qualquer benefício à performance esportiva – já que relaxa a musculatura em excesso, causa sonolência, diminui reflexos e, numa análise menos científica, desacelera os indivíduos” –, a substância THC está listada pela WADA como proibida, ao lado de anabolizantes, esteroides e estimulantes em geral (Lima, 2019).

A Cannabis causa menos dano ao esportista do que o tabaco e o álcool, ambos fora da lista da WADA (The World Anti-Doping Code, 2019). Quanto desta proibição pode ser fruto de preconceito (Lima, 2019)?

Houve um período de intolerânciapara a maconha no esporte, quando a concentração máxima de THC permitida no organismo era de 15ng/ml. Isso significa que a inalação passiva da fumaça de outra pessoa poderia ser detectada pelos exames de sangue ou urina. Em 2013, a Agência Mundial Antidoping (WADA) modificou o valor para 150ng/ml para os metabólitos da maconha no organismo, ou seja, dez vezes maior do que o limite inicial (Prota, 2018) .

Raul Thame de Toledo Almeida © Arquivo

Em 1998, o canadense Ross Rebagliati ganhou uma medalha de ouro ao competir como snowboarder na Olimpíada de Inverno no Japão. Pouco depois dos jogos, foi detectada uma quantidade de 17,8 ng/ml de um metabólico da maconha no seu exame antidoping e acabou tendo o seu título retirado pelo Comitê Olímpico Internacional (Marques, 2016). O atleta alegou que não havia usado a droga e que o teste tinha sido positivo em decorrência da inalação direta da fumaça de outras pessoas que usavam a droga ao seu redor. Um fumante passivo. De fato, estudos comprovam que a inalação passiva pode acusar a substância no sangue ou na urina, mas muitas variáveis interferem neste caso. De qualquer maneira, Ross acabou recuperando a medalha e o posto de campeão olímpico, depois de apelar à Corte Arbitral do Esporte, baseando-se em estudos científicos sobre inalação passiva e contaminação cruzada, já estudados à época (Prota, 2018).

A maconha trata mais dores físicas e mentais do que qualquer outra substância; faz parte de um estilo de vida saudável e tem zero calorias, portanto, não deveria ser uma preocupação para as autoridades, afirmou o atleta. Somente em 2017 a WADA adotaria nova concentração de 150 ng/ml para os metabólicos da maconha no organismo.

Quando o assunto é maconha e esporte, a polêmica existe, mesmo que esteja diminuindo. Em 2019, por exemplo, o nadador Michel Phelps foi fotografado fumando um baseado e a história viralizou pelo mundo. Ele foi suspenso por três meses pela Federação de Natação e perdeu o contrato de um grande patrocinador, mesmo sem estar em competição (UOL Esporte, 2009).

O canabidiol pode ser comprado sem barreiras nos EUA como suplemento alimentar, porque a agência norte-americana de repressão às drogas considera derivados de cânhamo industrial sem potencial de abuso ou dependência (Yahoo Esportes, 2019). O extrato de cânhamo, uma variedade da planta Cannabis, tem sido produzido e vendido em diferentes formatos, incluindo cápsulas, uso tópico e óleo para uso oral (Nocetti, 2019).

A Cannabis pode ser considerada um remédio leve e de toxidade aguda baixa e não apresenta risco de morte por overdose. Em 1998, o Departamento de Justiça norte-americano concluiu que, em termos práticos, a maconha não induz resposta letal tóxica (Heath, 1976). Entre as possibilidades de uso medicinal já reconhecidas para a Cannabis está o seu efeito analgésico, sua capacidade sedativa e mio-relaxante, capaz de potencializar a ação de opioides, diminuindo seus efeitos colaterais, inclusive de obstipação em portadores de dor crônica.

Apesar da liberação do CBD no esporte, a utilização da Cannabis através do fumo que, consequentemente, libera no corpo humano canabinoides com efeitos psicotrópicos, como o THC gera controvérsias e continua proibido.

A respeito de Cannabis ainda não há um consenso entre profissionais do esporte e da saúde, na medida em que cada canabinoide tem um efeito diferente. Alguns atletas utilizam o canabidiol para tratamento de inflamações e dores musculares, enquanto o consumo através do fumo é controverso.

Não é surpresa, principalmente em países onde a maconha é legalizada, que atletas estejam falando abertamente sobre o consumo da planta. Desde jogadores profissionais de hóquei até corredores de elite, muitos já se declararam usuários, mais frequentemente para aliviar a dor e melhorar o foco do que para ganhar vantagem em desempenho (Brogliato, 2018).

Enquanto alguns apoiam o uso e a liberação da droga, outros questionam a mensagem que um órgão esportivo pode passar ao mundo ao liberar o uso, conforme artigo de Zaguri: Entendo que a WADA pensa na mensagem que quer transmitir, quer que todos os atletas sejam exemplos, que as crianças se espelhem neles, que todos queiram a saúde deles, o que complica o apoio à liberação da maconha”.

Como a erva é liberada em alguns países e em outros não, não temos um consenso. Quando se libera o uso, se entende que ela não é prejudicial à saúde” (Marques, 2016).

Pouco a pouco, os atletas profissionais despertam para a necessidade de ter um diálogo aberto em relação às drogas. Afinal, o debate sobre aquilo que é ou não nocivo ao atleta precisa ser amplamente exercido.

Este texto faz parte do Tratado Cannabis Medicinal
Seção VIII – Reflexões sobre a cannabis na sociedade
Cap 2 – O uso de canabinoides por atletas
Escrito por Raul Thame de Toledo Almeida / CREF 059781-G/SP

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