Caso Wallace expõe a inconsistência jurídica do Comitê Olímpico do Brasil

Caso Wallace expõe a inconsistência jurídica do Comitê Olímpico do Brasil

Decisões do Conselho de Ética do COB, associadas às penas aplicadas que representam violência jurídica e nulas de pleno direito, revelam o tamanho exato da atual gestão.

Por Paulo Pinto / Global Sports 
19 de maio de 2023 / São Paulo (SP)

Em determinado momento o imbroglio causado pelo jogador que compartilhou mensagem atacando o presidente da República deu a entender que não teria fim e acabaria envolvendo até mesmo o Comitê Olímpico Internacional (COI).

Mas, para alívio de todos, nesta segunda-feira (15) o bom-senso associado à falta de embasamento jurídico parece ter aclarado as mentes que desde fevereiro estavam lançando o Comitê Olímpico do Brasil (COB) numa gincana jurídica insana fomentada por egos quebrados e fudamentada em “mexericos jurídicos”, como classificou o jurista Alberto Murray*, ex-presidente do Conselho de Ética do COB, em seu Blog sobre o Movimento Olímpico.

Em seu artigo Murray aponta uma série de erros gravíssimos cometidos pelo Conselho de Ética do COB, com ênfase nas decisões tomadas depois que a defesa conseguiu uma liminar e o jogador pôde atuar na Superliga. Wallace fez, inclusive, o último ponto que deu a vitória ao seu time. Este fato fez o Cecob determinar, mais recentemente, o aumento da suspensão para cinco anos.

Entre as ilicitudes cometidas pelo Conselho de Ética do COB estão:

– O artigo 58, parágrafo primeiro, letra c, do estatuto do COB deixa claro que a pena de suspensão somente pode ser aplicada pela assembleia geral da entidade.

– O artigo 58, parágrafo primeiro, do Código de Conduta Ética do COB determina que a pena de suspensão deve ser recomendada à entidade, respeitado o estatuto.

– Portanto, as penas aplicadas à Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e ao seu presidente em exercício Radamés Lattari representavam violência jurídica e nulas de pleno direito.

– De forma surreal o Conselho de Ética foi adiante quando, desarrazoadamente, tenta colocar sob sua jurisdição o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério do Esporte e até mesmo a destinação do orçamento público.

O jurista pontua que as ilegalidades eram tantas e tão grandes que a CBV  teria munição jurídica suficiente para passar um rolo compressor sobre o Conselho de Ética e sobre o próprio COB.

Suicídio coletivo

Murray afirma estranhar o silêncio do presidente do COB, Paulo Wanderley Teixeira. Ainda que ele pretendesse passar a impressão de que “respeita a independência do Conselho de Ética”, nada o impediria de se manifestar, diante da grave crise que se instalou no ambiente olímpico.

“Alguém, em algum momento, com espírito de liderança, precisa se manifestar e pôr as coisas em ordem, sair em defesa da credibilidade do sistema olímpico do País. Fico com a impressão de que os conselheiros de ética novatos não leram atentamente o estatuto do COB e o Código de Conduta Ética ao assinarem essas decisões. E, por esse descuido, cometeram um ato de “suicídio coletivo”, colocando em dúvida a eficácia e a credibilidade do conselho.”

“As ilegalidades eram tantas e tão grandes que a CBV teria munição jurídica suficiente para passar um rolo compressor sobre o Conselho de Ética e sobre o próprio COB.”

Murray lembra que as notas divulgadas por Leonardo Andreotti, advogado de Wallace de Souza, e pela CBV são firmes, têm fundamento jurídico, são claras, objetivas e elegantes.

A Advocacia Geral da União (AGU) também divulgou uma nota em que, em dado momento, dá uma escapulida do mérito jurídico para abordar uma questão lateral, ao afirmar “que não tolera o discurso de ódio”. “Ninguém é favorável à catilinária da malevolência. Mas não é isso que se discute no caso. Questões ideológicas não podem interferir no devido processo legal. Isso é regra basilar do Direito. O ponto é debater se o Conselho de Ética tem, ou não, competência legal para fazer o que fez”, argumenta Murray, que na sequência identifica o problema que considera mais grave dessa luta de braço.

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“E aqui vai uma questão perigosíssima para o COB que a AGU naturalmente desconhece. E que talvez poucos tenham atentado. A Carta Olímpica reprime com todas as forças a interferência estatal no Movimento Olímpico. A AGU em sua nota diz que vai atuar junto ao Conselho de Ética para fazer valer a punição. A AGU é um braço estatal. Existe, claramente, a possibilidade de o COI enxergar essa contenda como uma interferência do Estado nos assuntos do esporte olímpico do Brasil. E, se assim for, suspender o Comitê Olímpico Brasileiro, a exemplo do que já fez em muitas ocasiões ao longo da história.”

Para Murray, há sem dúvida um desgaste político para o presidente do COB. “O terceiro mandato, ainda que ilegal, vai ficando mais distante”.

Acordo diminui pena a Wallace e retira suspensão à CBV

Por meio de sua assessoria, nesta segunda-feira (15) o Comitê Olímpico do Brasil (COB) informou que as partes envolvidas no processo ético relacionado ao jogador de vôlei Wallace Leandro de Souza chegaram a um acordo. Veja nota abaixo.

A intenção das entidades esportivas, da Advocacia Geral da União e do Conselho de Ética do COB foi preservar a preparação de atletas e seleções brasileiras, adultas e de base, do vôlei e do vôlei de praia até o fim do ciclo Paris 2024.

“Desde o início, apesar do expresso repúdio do COB e da CBV ao ato do atleta, a tentativa foi sensibilizar todos os envolvidos para que houvesse o menor prejuízo possível para o esporte olímpico e o vôlei brasileiro na caminhada a Paris 2024. A todos eles deixo um agradecimento, pois houve um esforço multilateral para que se chegasse ao entendimento. Entendemos que o momento é de união e retomada, e o acordo consensual não deixa de espelhar valores olímpicos. Entre eles o respeito, que sempre nutrimos pela CBV”, afirmou o Presidente do COB, Paulo Wanderley.

Além disso, COB e CBV promoverão um programa educacional voltado a atletas, treinadores e gestores das confederações para a correta utilização das mídias sociais. O conteúdo será financiado com recursos próprios da confederação.

Pontos do acordo celebrado

1 – COB e CBV reconhecem a punição de afastamento das competições por 90 (noventa) dias do jogador Wallace Leandro de Souza das quadras, em razão de ter descumpridor punição do Cecob, o que lhe impõe cumprir novamente o período de suspensão antes aplicada por disseminação de violência através de redes sociais, tendo por ofendido o sr. Presidente da República. Fica mantida a suspensão por 1 (um) ano de convocações ou participações na seleção brasileira da modalidade.

A CBV compromete-se a não questionar o presente acordo em nenhum juízo, instância ou tribunal, seja no âmbito esportivo ou na Justiça Comum, fazendo cumprir a decisão punitiva em todos os seus termos.

O atleta se compromete a cumprir o afastamento das quadras por esse período.

2 – O COB não reconhece a validade do resultado do jogo Minas Tênis x Sada/Cruzeiro em razão da participação de atleta afastado por determinação do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil, resultado que permanece nulo, para todos os efeitos, para o Comitê Olímpico do Brasil.

3 – A CBV fica obrigada a financiar, com recursos próprios, programa de valorização da postura ética de atletas nas redes sociais, sob a coordenação do compliance officer do COB.

4 – Ficam retiradas as demais condenações impostas à CBV.

5 – Ficam retiradas as demais condenações impostas ao senhor Radamés Lattari Filho.

*Alberto Murray Neto é graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pós-graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Toronto, no Canadá. Foi árbitro da Corte Arbitral do Esporte (CAS), membro da Assembleia Geral do COB de 1996 a 2008 e presidente do Conselho de Ética do COB de 2018 a 2020.

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