Decisão histórica da Suprema Corte britânica redefine legalmente o conceito de mulher com base no sexo biológico, reacende debates sobre inclusão e pode transformar as regras do esporte feminino em todo o mundo.
Por Gustavo Muñana / Inside the Games
Curitiba, 24 de abril de 2025
A Suprema Corte do Reino Unido decidiu que, segundo a Lei da Igualdade de 2010, o termo “mulher” deve ser interpretado com base no sexo biológico — excluindo, portanto, mulheres transgênero das proteções legais previstas para pessoas do sexo feminino. A decisão, considerada histórica, deve ter efeitos diretos sobre as políticas de inclusão, especialmente no esporte feminino.
A decisão foi motivada por uma ação do grupo feminista For Women Scotland (FWS), que contestou uma legislação aprovada em 2018 pelo Parlamento Escocês, que incluía mulheres transgênero nas cotas de igualdade de gênero para cargos em conselhos públicos. A Suprema Corte decidiu que as disposições da Lei da Igualdade relacionadas à proteção por sexo aplicam-se exclusivamente a mulheres nascidas do sexo feminino.
“O conceito de sexo é binário; uma pessoa é homem ou mulher”, destacou a decisão, acrescentando que nem mesmo o Certificado de Reconhecimento de Gênero (GRC) — documento legal que reconhece a mudança de gênero — pode alterar esse entendimento legal.
A autora J.K. Rowling, apoiadora da ação do FWS, celebrou a vitória: “Foram necessárias três mulheres extraordinárias para levar esse caso até a Suprema Corte. Com isso, protegeram os direitos de mulheres e meninas em todo o Reino Unido”.
Efeitos no esporte feminino
O julgamento pode impactar diretamente as políticas de elegibilidade de atletas transgênero em competições femininas. A World Athletics, por exemplo, já introduziu testes genéticos para atletas femininas de elite, e a Comissão de Igualdade e Direitos Humanos do Reino Unido (EHRC) declarou que a decisão oferece a clareza necessária para outros órgãos seguirem esse caminho.
“A decisão é extremamente significativa. Agora está claro que mulheres transgênero não podem competir em categorias femininas”, disse Kishwer Falkner, presidente da EHRC.
Conselhos esportivos de todo o Reino Unido, como o UK Sport e o Sport England, estudam os impactos da decisão. Enquanto isso, federações como as de atletismo, natação e ciclismo já restringiram a participação de atletas trans em categorias femininas.
Reação internacional
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump assinou a ordem executiva 14201, que proíbe a participação de mulheres trans em categorias femininas caso a transição não tenha ocorrido antes da puberdade. A medida pode colidir com os compromissos assumidos nos Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028, que preveem acesso inclusivo.
O Comitê Olímpico Internacional (COI), por sua vez, tem evitado adotar diretrizes rígidas e delega às federações a responsabilidade por definir as regras de elegibilidade. A futura presidente do COI, Kirsty Coventry, já afirmou que não apoia a presença de atletas trans em disputas femininas. “Garantir justiça no esporte feminino é essencial. Mulheres trans têm vantagem física que compromete a igualdade de oportunidades para mulheres biológicas.”
No boxe, a polêmica ganhou força após denúncias de que duas campeãs das seletivas para Paris 2024 — Imane Khelif e Lin Yu-Ting — teriam sido aprovadas em testes mesmo com resultados questionáveis. O COI defendeu as atletas, alegando que elas se enquadram na “definição clara de mulher”. Em resposta, a Associação Internacional de Boxe (IBA) anunciou que acionaria o Ministério Público da Suíça para investigar o caso.
Direitos em debate
A decisão britânica gerou forte reação de entidades defensoras dos direitos trans. A Anistia Internacional do Reino Unido classificou o veredito como “decepcionante” e pediu cautela na aplicação de suas implicações.
A tensão entre inclusão e justiça esportiva segue dividindo opiniões. E embora o COI tenha se posicionado contra os testes de gênero, a decisão da Suprema Corte britânica pode estabelecer um novo padrão jurídico para a formulação de políticas esportivas internacionais.