Jogos Olímpicos de Inverno sob ameaça: prisões expõem tentativa de controle “ao estilo máfia” sobre a construção civil.
Por Javier Carro / Inside the Games
Curitiba, 13 de outubro de 2025
Às vésperas dos Jogos Olímpicos de Inverno, a Itália enfrenta uma sombra incômoda: a tentativa de infiltração de grupos criminosos em Cortina d’Ampezzo, uma das sedes do evento. Uma operação policial revelou ligações entre crime organizado, violência e a ambição de controlar contratos públicos relacionados às obras olímpicas.
A investigação, divulgada pelo Ministério Público de Veneza, descreve como dois irmãos de Roma, ligados ao grupo extremista da torcida da Lazio conhecido como Irriducibili, foram presos após tentarem obter ilegalmente contratos vinculados às obras do evento. Segundo os promotores, a dupla teria instalado um sistema de controle “ao estilo da máfia” sobre o tráfico de drogas e a vida noturna em Cortina, estendendo sua influência ao lucrativo negócio das construções olímpicas.
Relatos da imprensa internacional indicam que os acusados se gabavam de sua amizade com Fabrizio Piscitelli — figura violenta ligada ao mesmo universo que foi assassinada em um parque de Roma em 2019 — e utilizavam essa reputação para se apresentar como atores influentes no submundo do crime romano. Os promotores afirmam que eles teriam assumido o controle de estabelecimentos de entretenimento e usado intimidação para impor seu domínio, com frases como “Somos mafiosos, não se metam conosco”.
O Ministério Público detalha ainda episódios de violência empregados para manter o poder: um organizador de eventos foi levado a uma floresta, espancado e mantido sob a mira de uma arma; um homem com dívidas foi trancado no porta-malas de um carro e ameaçado de morte; e dois traficantes rivais foram agredidos por operar sem autorização. Essas ações, segundo os investigadores, faziam parte de uma estratégia para consolidar a autoridade do grupo em Cortina.

A pressão do grupo alcançou também o campo político. Conforme o relatório do Ministério Público, em 2023 os irmãos tentaram extorquir o então vereador de Cortina, Stefano Ghezze, forçando uma reunião por meio de um intermediário para supostamente trocar votos por contratos olímpicos — oferta que o vereador recusou. Comunicações interceptadas pelos investigadores revelaram o teor das ameaças. Em mensagens de texto citadas pelo jornal Il Dolomiti, um dos suspeitos escreveu: “Aqui é Cortina, nós mandamos aqui”.
Um dos irmãos está em prisão preventiva e o outro em prisão domiciliar. Mais cinco pessoas foram indiciadas por extorsão agravada, mas não chegaram a ser detidas. O prefeito de Cortina, Gianluca Lorenzi, afirmou apoio às investigações do Ministério Público de Veneza e declarou ao Il Dolomiti que “Cortina reagiu, demonstrou unidade e provou que tem as defesas certas contra esse tipo de violência. Quando nos unimos e nos mantemos fortes, o sistema não consegue se impor.”
As apurações indicam que o interesse do grupo não se limitava a Cortina. Dados do Ministério do Interior da Itália apontam a identificação de 169 trabalhadores, 57 empresas e 70 veículos de construção ligados a estruturas mafiosas em obras do Trentino, região também envolvida nos preparativos para os Jogos. O apelo econômico dos projetos olímpicos é claro: estimativas do sindicato de artesãos CGIA, com base em dados do Banco da Itália, calculam que a máfia movimenta cerca de €40 bilhões ao ano — um volume que explica o potencial de infiltração do crime organizado em setores formais, como a construção civil.
O orçamento para os Jogos de Milão–Cortina saltou dos €1,36 bilhão inicialmente previstos para quase €6 bilhões. Para as autoridades, esse crescimento no montante coloca as obras olímpicas entre os alvos preferenciais do crime organizado. Por isso, o Ministério do Interior e a Direção Nacional Antimáfia intensificaram o monitoramento de contratos e licitações públicas, na tentativa de evitar novos episódios como o registrado em Cortina.
O Ministério Público de Veneza segue reunindo provas para apurar se os irmãos detidos mantinham ligações com outras organizações criminosas no centro ou no norte da Itália. Embora as autoridades considerem a operação um sucesso preventivo, alertam que o risco de infiltração persiste enquanto as grandes obras estiverem em andamento. A 117 dias da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, a Itália trabalha para garantir que o evento não seja ofuscado pelo espectro do crime organizado.