Apesar da mudança da regra, países como os EUA já se mostraram descontentes, alegando que a liberdade de expressão precisa acontecer em maior escala e que isso não é suficiente
Por Helena Sbrissia / Global Sports
9 de julho de 2021
No início de julho o Comitê Olímpico Internacional (COI) divulgou uma série de revisões referentes às regras sobre a manifestação de atletas a serem aplicadas durante os Jogos Olímpicos de Tóquio. Segundo o documento, os atletas estão autorizados a abordas suas visões quando derem entrevistas, sejam elas individuais ou coletivas, contudo, apenas nas zonas mistas, centros de mídia e locais destinados a elas.
O COI veta, expressamente, a manifestação de opiniões políticas durante a execução de qualquer hino nacional, em cerimônias de premiação, de abertura e encerramento dos eventos. Além disso, qualquer manifestação na Vila Olímpica está proibida. A manifestação deve ser “consistente com os princípios fundamentais do Olimpismo” e não pode ser dirigida direta ou indiretamente a pessoas, países e organizações.
Segundo o documento apresentado pelo COI, a proibição é estabelecida com o intuito de barrar comportamentos e expressões que possam ser considerados hostis, ou seja, que indiquem discriminação, ódio, hostilidade e qualquer violência em potencial, porque tudo isso citado anteriormente vai contra o que prega a filosofia que pauta os Jogos Olímpicos.
A redação original da regra da Carta Olímpica reiterava que nenhuma manifestação política, religiosa ou racial era permitida. Ela foi ampliada para que os atletas pudessem, mesmo que em menor dimensão, expressar suas opiniões. A decisão foi tomada depois da consulta com mais de 3,5 mil representantes de Comissões de Atletas nos últimos meses.
Agora, por exemplo, o atleta poderá realizar manifestações nos lugares que serão palco para algum jogo. Entretanto, isso precisa acontecer antes do início das competições – durante a entrada no gramado, quando um atleta é anunciado para sua prova, luta ou apresentação etc.
“As novas diretrizes são resultado da ampla consulta com a comunidade global de atletas. Embora as diretrizes ofereçam novas oportunidades para os atletas se expressarem antes da competição, elas preservam as competições no campo de jogo, as cerimônias, as cerimônias de vitória e a Vila Olímpica. Esse foi o desejo da grande maioria dos atletas em nossa consulta global”, afirma a presidente da comissão, Kirsty Coventry.
Apesar da mudança na regra, os dirigentes olímpicos dos Estados Unidos parecem seguir uma linha de pensamento diferente do COI, já que, por parte do país, há uma aceitação muito maior frente às manifestações. Essa disparidade de opiniões está causando atritos entre as duas entidades. Em dezembro, líderes do Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos (USOPC) anunciaram que não iriam punir os atletas que exercessem seu direito à liberdade de expressão durante os Jogos, desde que não houvesse ódio ou ataque a qualquer pessoa ou grupo.
O COI publicou uma declaração em que avisa sobre o desrespeito às regras e em como isso poderá acarretar punições aos atletas – que, por sua vez, poderão sofrer punições de acordo com a gravidade do ato e o nível de problema provocado por ele, por exemplo. Sobre isso, Sarah Hirshland, presidente do USOPC, afirma: “Eles têm autoridade, jurisdição e um conjunto único de sanções. Nós ocupamos um assento diferente.”
A argumentação do COI é de que, apesar de haver o apoio à liberdade de expressão, é necessário imaginar os mais diferentes cenários que podem surgir, principalmente levando em consideração que são mais de 200 países participando dos Jogos Olímpicos. São visões políticas diferentes.
O COI e a diligência esportiva norte-americana viviam um período de convivência pacífica antes do desentendimento recente. Os confrontos entre as duas instituições eram antigos e marcados por interesses econômicos diversos. Em 2017, contudo, o COI, em um gesto de boa-fé, alterou algumas de suas regras para que fosse possível realizar uma concessão para permitir a realização das Olimpíadas de 2028 em Los Angeles.
“Parto da posição de que ser antirracista não é político. Também acredito que, dado o papel desempenhado pelos atletas hoje, e a voz que eles têm, isso é algo que os atletas continuarão a expressar”, são as palavras de Casey Wasserman, a líder dos jogos de Los Angeles. O lobby para que as restrições sobre liberdade de expressão fossem abandonadas foi iniciado mais de um ano atrás.
Todo esse debate veio à tona após a atleta Gwen Berry, lançadora de martelo norte-americana, ter erguido o punho enquanto recebia uma medalha no pódio de uma competição. Ela também deu as costas durante a execução do hino nacional dos Estados Unidos enquanto acontecia a seletiva da equipe de atletismo olímpica dos EUA.
Os dirigentes olímpicos norte-americanos aceitaram as manifestações, ao contrário do comitê internacional. A disputa sobre os limites dos protestos realizados pelos atletas é o tema em pauta no momento, já que esportistas de todo o globo parecem dispostos a utilizar os momentos em que os olhos do mundo estão voltados a eles – ou seja, no pódio, para promover causas políticas e sociais.
“O que preciso fazer é falar por minha comunidade, representar minha comunidade e ajudar minha comunidade, porque ela é muito mais importante do que este esporte”, são as palavras de Berry sobre o ocorrido, que fez com que ela fosse alvo de críticas de políticos conservadores – alguns deles, inclusive, chegaram a solicitar que a presença da atleta fosse excluída de Tóquio 2020, mesmo que ela não tenha violado regra alguma do COI.
Na opinião do historiador olímpico David Wallechinsky, limitar a liberdade política e social de expressão a apenas alguns momentos é prejudicial. “Há atletas de outros países com suas preocupações, e equipes inteiras que enfrentam questões de direitos humanos.”