Ré em 14 processos relacionados ao não-recolhimento de ISS, Confederação Brasileira de Canoagem vê iminente bloqueio nas contas e desliga quadro de funcionários
Fonte Giba Perez / GE
20 de setembro 2021 / Curitiba (PR)
A Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa) suspendeu as atividades e anunciou o desligamento de todo o quadro de funcionários em meio a uma execução judicial, no Tribunal de Justiça de São Paulo, cobrando R$ 5,7 milhões. A ação deve bloquear as contas da entidade nos próximos dias.
A atitude de desligar todos os funcionários, segundo a confederação, tem como objetivo “preservar os parceiros, atletas e profissionais da canoagem brasileira neste momento”. A CBCa garantiu pagar a eles todos os direitos trabalhistas.
A decisão da Justiça é relacionada ao não-recolhimento de ISS (Imposto Sobre Serviços) em obtenção de recursos através de leis de incentivo ao esporte e captados pela CBCa, na década de 1990 e início dos anos 2000, via bingos no município de São Paulo. Além do processo já executado, a confederação é ré em outras 13 ações semelhantes na capital paulista.
Seleção tem maior parte dos custos bancados pelo COB
A canoagem vem de recentes conquistas históricas, tanto nas Olimpíadas quando nas Paralimpíadas. No dia 6 de agosto, Isaquias Queiroz conquistou o primeiro ouro da canoagem ao vencer o C1 2000m em Tóquio. Quase um mês depois, foi vez de Fernando Rufino ficar no topo do pódio da categoria VL2 nas Paralimpíadas.
Os custos da equipe que treina no CT de Lagoa Santa (Isaquias Queiroz, Erlon de Souza, Jacky Godman, James Correa, Vinicius Pinheiro e Filipe Santana) são bancados quase que inteiramente pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB). Porém, para todas as atividades seguirem a partir de outubro, o COB precisa assumir outros custos. A CBCa disse que irá quitar até o fim de setembro as despesas que são de sua responsabilidade pelo treinamento das seleções de canoagem.
Procurado para falar sobre a situação da Confederação Brasileira de Canoagem, o COB disse que tomou conhecimento do problema, mas aguardava mais informações antes de se pronunciar. E não retornou até a publicação da reportagem.
Entenda o caso
Entre o final dos anos 1990 e o começo dos anos 2000, os bingos tinham autorização de funcionamento no Brasil, e algumas confederações, como a da canoagem e a da vela, por exemplo, recebiam parte dos lucros de algumas dessas casas de aposta. Quando assumiu a CBCa, em março, a nova diretoria contratou uma auditoria para investigar o valor total da dívida e o resultado deve ser divulgado na próxima segunda-feira.
Essa relação fez com que as entidades fossem avaliadas como empresas privadas e não públicas sem fins lucrativos, o que aumentaria o número de impostos a serem pagos. Com o fechamento dos bingos após a proibição, as confederações passaram a ser executadas pela Receita Federal, que cobra o recolhimento desses impostos. Procurado pelo GE, o departamento jurídico da confederação explicou o problema por meio de nota:
Na data recente de 18/11/2019 o TJSP apresentou acórdão que apontava a procedência da dívida sobre a CBCa, inclusive sinalizando o bloqueio judicial de suas contas bancárias. O referido acórdão recebeu enfrentamento tanto no STJ como no STF, não sendo possível reverter o resultado, o qual se tornou definitivo em 02/2021. Ainda no mês de maio do corrente ano a procuradoria municipal de São Paulo pediu a penhora de conta bancária no valor de R$ 5.670.063,78, posicionamento que recebeu novo enfrentamento judicial perante a Vara de Fazenda Municipal, objetivando evitar o bloqueio das contas bancárias da CBCa.
Na data de 27/08/2021 o juízo da Vara Fazendária também decidiu de forma contrária à CBCa, resultado que infelizmente reforça o iminente risco de bloqueio sobre as contas bancárias da entidade. Desta forma e apesar dos excelentes resultados conquistados pela canoagem brasileira nas Olimpíadas de Tóquio com várias medalhas de Ouro, fato é que a Confederação Brasileira de Canoagem, entidade que representa a modalidade, atualmente se encontra em situação irreversível e complexa. Em suma, por força de execução fiscal de ISS não recolhido por administradoras de bingo locais da cidade de São Paulo no longínquo ano de 98/99, a entidade que representa a modalidade esportiva de Canoagem, atualmente está reformulando completamente as suas atividades.
Na última quarta-feira, a CBCa já havia anunciado o adiamento do Campeonato Brasileiro de Canoagem Velocidade, que seria realizado em Cascavel (PR) entre os dias 23 a 26 de setembro, e a Copa Brasil de Paracanoagem, que teria sede em Campo Grande (MS). O Campeonato Brasileiro de Canoagem Slalom, marcado para os dias 08 a 10 de outubro em Três Coroas (RS), será reavaliado.
Vela vive caso semelhante
Em 2007, a então Confederação Brasileira de Vela e Motor (CBVM) viveu o mesmo problema que hoje atinge a CBCa. Lars Grael assumiu o comando da entidade e descobriu uma dívida impagável, que beirava os R$ 100 milhões, por conta do não-recolhimento de impostos, principalmente, do Bingo Augusta, que tinha a CBVM como gestora.
Lars, então, solicitou a intervenção do COB. O comitê deteve a gestão da vela até 2012, quando a CBVM foi desfiliada do Comitê Olímpico Internacional (COI), e surgiu a CBVela com um novo CNPJ para gerir a modalidade. Apesar da manobra, o processo ainda corre na Justiça, que segue vendo o órgão máximo da vela no Brasil como responsável pela dívida, que hoje já supera os R$ 190 milhões.
Confira a nota da CBCa na íntegra
A Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa), vem a público esclarecer que estará realizando medidas administrativo-financeiras em função de decisões judiciais ocorridas nos últimos dias. Isso implicará em mudanças, sendo a mais significativa a ação de dispensar todo o seu quadro de colaboradores e encerrar suas atividades administrativas.
Estas medidas visam principalmente evitar a geração de mais ônus financeiro e também preservar os parceiros, atletas e profissionais da canoagem brasileira nesse momento. A atitude infelizmente é a única avaliada no cenário e irá impactar diretamente no âmbito esportivo.
Nos últimos dias foram buscadas diversas alternativas para evitar tomar essa medida, reuniões aconteceram com as entidades parceiras, órgãos governamentais, políticos, mas, infelizmente, não houve êxito para identificar uma solução imediata que pudesse auxiliar a CBCa neste momento.
Essa situação é decorrente do passivo jurídico de décadas, gerados através dos recursos obtidos em leis de fomento e incentivo (Lei Pelé, arts. 56 e 59) ao esporte e captados pela CBCa na década de 1990 e início dos anos 2000, via administradoras locais de jogos (bingos) no município de São Paulo, com recursos lícitos destinados ao Esporte em estabelecimentos de bingos já encerrados.
Nestas operações lícitas de captação de recursos, atualmente a CBCa figura como executada em 14 (quatorze) execuções fiscais por dívidas decorrentes de ISS que deveriam ser recolhidas através das referidas administradoras locais responsáveis pelas casas de jogos e que não aconteceram, deixando a CBCa como única responsável legal por suas dívidas.
Os tributos devidos de ISS são oriundos das administradoras de jogos situadas na cidade de São Paulo e nenhum desses estabelecimentos que então gerenciava os jogos na época foi responsabilizado, sendo que atualmente somente a confederação requerente responde aos processos por ser uma beneficiária da lei através da captação do recurso da época.
Desta forma, em respeito a todas as pessoas que de alguma forma contribuem e prestigiam a modalidade esportiva em questão, a CBCa vem respeitosamente apresentar a presente nota de esclarecimento.
Aproveitamos ainda o ensejo da presente para informar que atualmente a CBCa está trabalhando para que a modalidade não seja prejudicada ante o bloqueio judicial que pode ser feito a qualquer momento por ordem judicial de São Paulo, bem como, também está empenhando esforços para minimizar da melhor forma possível todos os possíveis impactos que a referida medida judicial pode causar. O Comitê Olímpico do Brasil e o Comitê Paralímpico Brasileiro estão cientes dessa atual situação que a Confederação Brasileira de Canoagem se encontra.
Paralelamente a estas ações a CBCa estará realizando uma Assembleia Geral Extraordinária onde será apresentada o Relatório da Auditoria Externa e Independente contratada pela atual gestão que assumiu a entidade em março de 2021.
Ações administrativas ocorridas a partir de 1998, após um período de mais de 22 anos de processo, acabam prejudicando a Canoagem Brasileira em seu melhor momento esportivo, em que na última edição dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos foram feitas conquistas inéditas, assim como grandes resultados em eventos internacionais.