Fatos graves que contrariam conceitos básicos da integridade corporativa, narrados em audiência pública por testemunhas, comprometem membro do Conselho de Administração do Comitê Olímpico do Brasil
Por Paulo Pinto / Global Sports
23 de novembro de 2022 / Curitiba (PR)
Sob o título Diretoria da Confederação Brasileira de Taekwondo encara momento decisivo na Justiça, publicamos em maio reportagem sobre a fragilizada situação política de Alberto Cavalcanti Maciel Júnior à frente da Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD), acusado desde o primeiro dia de gestão de fraudar o processo que o elegeu. A denúncia gerou ação judicial que se arrasta desde julho de 2017.
Dizendo-se vítima neste processo, Carlos Luiz Pinto Fernandes, ex-presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD), finalmente conseguiu inverter o jogo e comprovar as fraudes cometidas no processo eletivo que conduziu o amapaense Maciel Júnior à presidência da entidade.
Segundo os advogados que defendem Carlos Fernandes, são várias as acusações contra o dirigente máximo do taekwondo brasileiro; as mais graves e recorrentes são:
- Instauração de uma comissão eleitoral com funcionários da CBTKD sem nenhuma experiência em processos eletivos.
- A rejeição de chapa concorrente – Avante CBTKD Brasil – foi decidida por uma só pessoa, estranha à comissão eleitoral.
- A impugnação de chapa de Carlos Fernandes ocorreu sem a devida análise dos documentos, inclusive certidões e processos judiciais juntados à documentação da chapa.
- Vazamento de informações sigilosas da comissão eleitoral antes do pleito.
- Desigualdade na avaliação das certidões, já que uma terceira chapa possuía as mesmas certidões e não foi impugnada.
- Oferecimento de vantagens financeiras aos eleitores por um dos candidatos.
- Eleição do representante dos atletas de forma indevida e de modo absolutamente irregular.
O mais paradoxal neste imbróglio é que, quando Carlos Fernandes deu início a este processo infindável, ele estava sozinho contra tudo e contra todos. Hoje, quase todos os personagens envolvidos uniram-se a ele com o propósito apenas de falar a verdade em juízo, pois, como de hábito, Maciel Júnior prometeu cargos e facilidades e não cumpriu. Traídas e sem nenhum tipo de pudor, ao verem que as eleições foram manipuladas, as testemunhas voltaram-se contra Maciel espontaneamente, e diante da Justiça revelaram todas as falcatruas que deram a vitória ao ex-técnico da seleção brasileira de taekwondo.
Testemunhas contundentes
Na audiência do processo 0021817-80-2017.8.19.0209, realizada no dia 11 de outubro na da 4ª Vara Cível do Rio de Janeiro, todas as testemunhas ouvidas, sem exceção, enumeraram irregularidades cometidas por Maciel Júnior e Valdemir José de Medeiros, o grande articulador e manipulador que entregou a CBTKD às mãos de Júnior.
Escutada, Gláucia Maria Corrêa da Silva entregou todo o esquema que envolveu a comissão eleitoral, assim como o interventor, Carlos Alberto de Carvalho, e o ex-advogado da CBTKD, Juliano Tomé Crapanzani. Ambos enfatizaram que Gláucia não possuía conhecimento e competência para atuar na referida comissão e que confessou ter assinado os papéis sem ler. O mais grave é que as três testemunhas da acusação alegam ter sido o superintendente Valdemir Medeiros que conduziu tudo sozinho: desde a formação da comissão eleitoral, que nada fez durante o processo, até a escolha dos integrantes da mesa da AGE.
Gláucia Maria começou explicando que trabalhou duas vezes na CBTKD e que, quando voltou para a entidade, foi designada secretária do interventor. “Na assembleia eletiva fui designada para compor a comissão eleitoral juntamente com os funcionários Edgard Bazilio Carlo e José Carlos da Silva Cypriano. Em nenhum momento pretendi exercer tal função, pois jamais havia atuado nessa área.”
Para surpresa de todos, na sequência Gláucia revelou que, na verdade, em nenhum momento foi convocada para fazer parte da tal comissão, foi tudo figurativo. Pior, afirmou em juízo que em nenhum momento a comissão se reuniu. “Fiquei analisando a documentação de algumas chapas que participaram do pleito juntamente com o colaborador Edgard. A documentação da chapa do professor Carlos Fernandes foi examinada diretamente por Valdir Medeiros, superintendente executivo da CBTKD, que não era membro da comissão eleitoral.”
Se não bastassem as irregularidades reveladas, Gláucia disse não possuir conhecimento jurídico para avaliar uma documentação como esta e que jamais o faria se dependesse dela. “Quem avaliou a documentação do candidato Carlos Fernandes e me entregou, para ser lida por mim, foi o próprio Valdemir Medeiros. Eu apenas li o que o Valdemir escreveu.”
“A indicação de nomes de funcionários da própria CBTKD pela assembleia geral, para compor a comissão eleitoral foi o maior erro que poderia ter sido cometido.”
Gláucia também revelou as vantagens financeiras oferecidas aos dirigentes estaduais (eleitores) no episódio da assembleia de adequação de estatuto, para que a AGE eleitoral se realizasse no Estado do Amapá, domicílio de Maciel Junior. É importante assinalar que a farra financeira sempre foi feita com recursos fornecidos pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), provenientes da Lei Piva. Segundo Gláucia, a prova da veracidade desse fato está escrita na própria ata da assembleia, assinada por todos os presentes
A depoente encerrou explicando que jamais produziu nenhum texto nem proferiu nenhuma decisão e que ela e os demais membros da comissão eleitoral foram apenas figurantes. Na verdade, a comissão eleitoral resumia-se à figura de Valdir Medeiros, superintendente executivo da CBKT.
Outro depoimento bastante contundente e esclarecedor foi prestado por Carlos Alberto de Carvalho, interventor designado pela Justiça em 27 de janeiro de 2017. Entre suas funções administrativas, a principal era fazer o novo estatuto da CBTKD e obter aprovação das entidades filiadas para depois realizar a eleição da nova diretoria.
Carlos Alberto começou afirmando que o novo estatuto foi elaborado por Valdir Medeiros, superintendente executivo, e que o documento foi aprovado na assembleia realizada em 10 de abril de 2017. A mesma assembleia que aprovou a criação da comissão eleitoral com três funcionários da entidade: Gláucia Maria Corrêa da Silva, Edgard Bazilio Carlo e José Carlos da Silva Cypriano. Perante a Justiça ele revelou todo o seu desapontamento com a decisão antiética tomada por Valdemir Medeiros.
“No meu entendimento e, como interventor judicial, a indicação de nomes de funcionários da própria CBTKD para compor a comissão eleitoral foi o maior erro que poderia ter sido cometido, já que sua principal função seria acompanhar e atestar a lisura do processo, incluindo a inscrição das chapas concorrentes à presidência da entidade com base nos princípios democráticos existentes na Constituição e no estatuto da entidade.”
O então interventor continuou explicando que todas as ilicitudes do processo eletivo foram devidamente relatadas em juízo e comprovadas por seu assessor jurídico, proprietário da máquina em que foi redigido o documento de impugnação da chapa Avante CBTKD Brasil, encabeçada por Carlos Fernandes.
“Você não teve direito de defesa. A meu ver você reunia todas as condições necessárias para concorrer nesse processo eletivo, mas puxaram o seu tapete tendenciosamente e de forma fraudulenta.”
Assim como Gláucia Maria, o interventor afirmou textualmente perante a Justiça que a impugnação da chapa de Carlos Fernandes foi redigida indevidamente por Valdir José de Medeiros, que não era membro da comissão eleitoral mas demonstrava enorme preocupação com a chapa do ex-presidente da confederação.
Outro declarante foi o advogado Juliano Tomé Crapanzani, que na época dos fatos fazia parte do corpo jurídico da CBTKD. Crapanzani não apenas reiterou tudo que fora dito por Gláucia Maria e Carlos Alberto, como ainda detalhou várias iniciativas que colocam Valdemir Medeiros na cena do crime, atestando que o processo havia sito totalmente contaminado e fraudado por Medeiros em favor de Maciel Júnior.
Depoimento forte
Eleito presidente da assembleia eletiva, o advogado José Antônio Soares Silva, ex-presidente da Federação de Taekwondo do Distrito Federal e faixa-preta 7º dan, após o pleito, enviou áudio (via WhatsApp) para Carlos Fernandes, lamentando os fatos nefastos ocorridos e o autorizando a divulgá-lo ou utilizá-lo da forma que mais lhe conviesse.
“Ao meu ver, e pelo que pude constatar, não havia nenhum impedimento para você participar do pleito. Percebeu-se lá que a comissão eleitoral estava muito insegura e seus integrantes não apresentaram nenhum documento comprobatório de que você possuía uma sentença definitiva que o impedisse de participar do pleito. A decisão foi arbitrária e meramente política.”
Soares Silva avaliou que alguns indivíduos tramaram nos bastidores para que a candidatura de Carlos Fernandes não avançasse. “Certamente esses já haviam firmado algum acordo nos bastidores com a chapa vencedora. Se você pudesse concorrer a coisa seria bastante diferente, provavelmente você venceria e com você não existe acordo obscuro. Então, a organização simplesmente o tirou do pleito.”
“Avalio que você não teve direito de defesa. A coisa foi claramente conduzida e a meu ver você reunia todas as condições necessárias para ser candidato e concorrer nesse processo eletivo, mas te puxaram o
tapete tendenciosamente e de forma fraudulenta impediram que você se candidatasse”, disse o presidente da mesa da assembleia eletiva.
Mistérios da CBTKD
Enquanto jornalista esportivo, especificamente do segmento de lutas, acompanho grande parte dos processos políticos dos esportes de combate, mas jamais presenciei tamanha improbidade em todos estes anos. E certas perguntas precisam de resposta, ou esclarecimento.
Por que logo que assumiu a CBTKD o professor Maciel Júnior demitiu Valdemir Medeiros amigavelmente, e lhe pagou uma bolada de rescisão, com recursos da Lei Piva?
Por que, mesmo fora da CBTKD, Medeiros continua atuando como assessor jurídico da CBTKD e do próprio Maciel Júnior, tendo a assessoria jurídica da equipe de Miguel Assef Filho?
Sabedor das declarações bombásticas de Gláucia Maria, Carlos Alberto e Juliano Tomé, porque até hoje o presidente da CBTKD não requereu uma sindicância para apurar todos os fatos?
CBTKD e o COB
À espera da sentença que em breve será proferida pela a juíza Lísia Carla Vieira Rodrigues, titular do Tribunal de Justiça Regional de Jacarepaguá, Carlos Fernandes questiona a falta de transparência e compliance do COB e o seu inoperante Conselho de Ética.
“O Alberto Cavalcanti Maciel Junior é membro do Conselho de Administração do Comitê Olímpico do Brasil. Até onde fui informado por colegas dirigentes, o Maciel está à frente das iniciativas políticas que visam a reeleger Paulo Wanderley para um terceiro mandato. Fiz graves denúncias protocoladas no Conselho de Ética do COB, pedindo explicações e atitude, mas jamais obtive resposta alguma, tamanha é a desfaçatez dessa gente. Parece que não se pode cobrar transparência e compliance do COB quando ambas dizem respeito a pessoas íntimas do presidente Paulo Wanderley”, disse Fernandes.
Para o ex-presidente da CBTKD, a gestão de ética do Comitê Olímpico é negligente e tendenciosa. “Basta ouvir as declarações das testemunhas para cessarem as dúvidas sobre a fraude que elegeu o membro do Conselho de Administração do Comitê Olímpico do Brasil. Em face das evidências e até mesmo para blindar sua gestão, o professor Paulo Wanderley deveria exigir esclarecimentos, e não passar pano nas traquinagens de um dos seus homens de confiança.”
Fernandes afirma que a CBTKD foi tomada de assalto, enquanto o COB finge que não está acontecendo nada. “Por muito menos o professor Nuzman já teria expulsado o Júnior do Conselho de Administração. Aliás, por muito menos Carlos Arthur Nuzman mandou fazer uma devassa na CBTKD quando eu era presidente, isso a meu próprio pedido e com minha autorização. Enquanto isso, o Paulinho faz cara de paisagem e finge que não está acontecendo absolutamente nada. Então, resolvi procurar o Judiciário, concluiu o ex-dirigente, lamentando que o taekwondo hoje seja caso de investigação policial e do Ministério Público Federal.”