Quem vê um brasileiro entre os maiores mesa-tenistas do mundo talvez desconheça que não se trata apenas de talento individual. Faz tempo que a CBTM trabalha para isso
Por Paulo Pinto / Global Sports
27 de janeiro de 2022 / São Paulo
Para Alaor Azevedo, presidente da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa, a boa gestão leva ao crescimento técnico. São questões interligadas. “A CBTM respeita todos os indicadores nacionais de gestão e governança. Temos nota máxima no Programa Gestão, Ética e Transparência do COB, o que significa que nossos processos são transparentes e não há desperdício de recursos. No esporte, temos eventos com padrão internacional de qualidade, atraindo cada vez mais mesa-tenistas”, assegura.
Como desafio permanente, a CBTM entende que precisa aperfeiçoar seus procedimentos para a melhoria do ambiente do tênis de mesa como um todo, buscando o mesmo nível de profissionalismo em federações estaduais, ligas regionais e clubes. Para tanto, tem apostado em orientações específicas, descritas em manuais, na capacitação de gestores destas entidades.
O passo inicial nessa direção foi tomado em 2009, com a contratação de consultoria especializada. Na ocasião, realizou-se um mapeamento das diferentes atividades internas com vistas a estabelecer padrões, independentemente das pessoas responsáveis por elas. “E, nos últimos dois anos, estes procedimentos foram revisitados, com a redação de documentos fundamentais que balizam a forma de agir de cada colaborador da entidade”, reforça Alaor.
Esse conjunto inclui o Regimento Interno, o Manual Tênis de Mesa Brasil (inspirado no Handbook da ITTF) e o Manual de Gestão para Federações Estaduais, Ligas Regionais e Clubes. Alaor destaca ainda outros tópicos, como Programa de Integridade da CBTM, Política sobre Conflito de Interesses, Política de Gestão de Riscos, Controles Internos e Conformidade, Política Antilavagem de Dinheiro e Anticorrupção, Código de Prevenção ao Abuso e Assédio no Ambiente Esportivo, Manual de Compras, Contratos e Gestão de Patrimônio da CBTM e o Código de Conduta É tica.
Sem receber verbas oficiais vultosas como as destinadas modalidades olímpicas de grande expressão, o segredo da boa gestão da CBTM é administrar os recursos de forma inteligente. Não à toa, esse esforço foi reconhecido com o Prêmio Sou do Esporte de Melhor Governança duas vezes consecutivas.
Nome estreitamente ligado ao tênis de mesa brasileiro, Alaor Azevedo teve seu primeiro contato com a modalidade no fim da década de 1960, aos 12 anos, ainda na sua cidade natal (Itajubá, MG), por sinal um celeiro de grandes mesa-tenistas. Antes de mudar-se para Santos (SP), onde seria convocado pela primeira vez para uma seleção de base, foi campeão mineiro em todas as categorias. Depois de conquistar o título de campeão sul-americano infanto-juvenil em 1971, foi morar no Rio, para estudar Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro, passando a defender o Fluminense. Disputou dois mundiais, em Calcutá (1975) e Birmingham (1977), além de conquistar numerosos títulos pelo seu clube, até encerrar a carreira de atleta em 1978.
Da mesma forma, a carreira de dirigente ergueu-se degrau por degrau. Começou como diretor de tênis de mesa da Federação de Esportes Universitários do Rio de Janeiro, de 1973 a 1977; presidiu a Federação Carioca de Tênis de Mesa de 1976 a 1978; integrou o Conselho de Assessores de Tênis de Mesa da Confederação Brasileira de Desportos, em 1977 e 1978 e em 1979 juntou-se aos líderes do movimento que levaria à fundação da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa. “Depois, me afastei por conta de compromissos profissionais fora do Rio de Janeiro.” Tornou-se diretor técnico da entidade em 1984 e em 1986 assumiu seu primeiro mandato como presidente.
Estrutura construída no dia a dia
No campo administrativo, desde 2015 a CBTM vem implantando ações internas para melhor responder às premissas estabelecidas pelos indicadores de governança de entidades esportivas no Brasil e no mundo. Como rotina, a CBTM mantém registros claros de todas as reuniões executivas e de comissões e conselhos a ela vinculados, além de incorporar em ações aquilo que seus colaboradores executam em questões gerenciais a ela vinculadas.
“A CBTM já desenvolvia uma série de trabalhos com enfoque em gestão e padronização de processos e procedimentos, por isso esteve sempre entre as cinco confederações de maior destaque no País”, avalia Alaor.
Em nível nacional, a CBTM promove os Polos de Desenvolvimento Regional, cujo foco principal é a detecção e o desenvolvimento de talentos do esporte na faixa de 6 a 11 anos, tanto olímpicos quanto paralímpicos. Alguns deles são administrados diretamente pelas federações estaduais, incluindo realização de cursos de treinadores e árbitros, com repasse de materiais e acompanhamento direto da CBTM.
“Esse programa pensa o Brasil como uma nação de dimensões continentais, criando oportunidade de melhoria da infraestrutura em diferentes Estados, com o uso do Legado dos Jogos Rio 2016, além da possibilidade de intercâmbio de informações e fortalecimento de uma metodologia de trabalho orientada para a performance”, esclarece Alaor. Atualmente há 28 polos instalados e monitorados constantemente. A meta é chegar a 54 polos até 2024.
Um modelo de ensino e divulgação
A Universidade do Tênis de Mesa (UniTM) criada pela CBTM é um programa que oferece capacitação para o desenvolvimento de treinadores, árbitros e gestores da modalidade, com o objetivo de estimular a entrada de novos profissionais neste mercado e promover a melhoria dos que nele atuam.
A UniTM também se integra a outros pontos importantes da gestão, como o desenvolvimento do tênis de mesa feminino e conseguiu duplicar o número de árbitras e gestoras nos quadros da confederação. A meta é equilibrar a presença de gêneros nos próximos anos.
Atualmente a UniTM abriga 99 alunos em cursos livres (Fisiologia, Gestão, Diamantes do Futuro e Paralímpico), 30 árbitros (formação de formadores) e 180 treinadores. Anteriormente, formavam-se em média 60 técnicos por ano. Já os cursos restritos de formação de árbitros devem acelerar-se em 2022, graças ao trabalho dos formadores, que ministrarão cursos pelo País.
O TMB School, por sua vez, busca fomentar a modalidade e contribuir com a prática esportiva desde a infância, empregando processos de interatividade inovadores. O programa disponibiliza licenciamento metodológico para escolas privadas, cujos professores terão acesso a todo o conteúdo técnico da Universidade do Tênis de Mesa, com certificação internacional.
“A ideia é que os próprios profissionais de educação física das escolas desenvolvam nelas a modalidade. Oferecemos a metodologia, o kit de materiais e a ambientação, além do suporte administrativo. A escola entra com o espaço e a remuneração dos professores”, explica Alaor. “De forma geral, pretendemos estar mais próximos de crianças e adolescentes nas fases de iniciação, gerando novos fãs e praticantes do tênis de mesa.”
Preparando campeões
A busca da excelência esportiva começou em 2009, quando a confederação trouxe um consultor internacional, o francês Michel Gadal, responsável por treinar o campeão mundial de 1993 e vice-campeão olímpico de 1992 Jean-Philippe Gatien. Outra descoberta dele, Jean-René Mounié, tornou-se o técnico da seleção brasileira a partir de 2010.
“São mais de dez anos de um acompanhamento cuidadoso dos atletas, desde as categorias de base”, conta Alaor. “Utilizamos soluções que funcionaram muito bem, como o pagamento de profissionais de alto nível num sistema de diárias, o que reduziu nossos custos. O Hugo Calderano, por exemplo, é fruto de uma parceria que fizemos com o Ochsenhausen, da Alemanha, onde ele passou a treinar e jogar.”
No campo do rendimento, aliás, 2021 foi um ano memorável. Hugo Calderano alcançou o Top 4, quebrando uma escrita de 83 anos. Jamais um mesa-tenista das Américas havia ido tão longe no ranking mundial. Para isso, a CBTM investiu R$ 4 milhões no atleta, que começou no Fluminense, mas foi encaminhado para treinar no São Caetano, que constituía a base da seleção. Estabelecemos que ele ficaria um ano para melhorar sua preparação física.
“Depois desse tempo”, lembra Alaor, “ele iria morar num centro de treinamento em Paris, onde Michel Blondel era o técnico. Posteriormente, foi para Ochsenhausen, acompanhado de outro jovem, Vitor Ishiy, que tinha também uma função estratégica: impedir que Calderano, sozinho em outro país, tivesse seu desenvolvimento prejudicado.”
De olho no futuro
Mas nem só de um atleta consagrado vive o tênis de mesa brasileiro. O trabalho rigoroso da CBTM distribuiu sementes, trata as mudas com carinho e faz fé nos frutos que virão. Alaor cita como exemplo Giulia Takahashi, que chegou a ser número 3 do ranking mundial sub-15 e foi medalhista no Mundial de Cadetes em três oportunidades. Em Tóquio, integrava a equipe como reserva. “Certamente estará despontando na equipe principal neste ciclo”, prevê o dirigente.
Laura Watanabe, que costuma atuar em dupla com Giulia, é outra boa promessa. Leonardo Iizuka, com apenas 15 anos, conquistou dois títulos em etapas do Circuito Mundial Júnior no ano passado. É outro cotado para integrar a seleção nos próximos ciclos.
Na seleção adulta, Bruna Takahashi, irmã mais velha da Giulia, é a mesa-tenista brasileira que chegou mais alto no ranking mundial feminino, figurando no Top 50 mundial por muitos meses. Ela tem apenas 21 anos, foi campeã mundial infantil em 2015 e pode, seguramente, ser uma atleta Top 20. Atualmente, joga na liga feminina alemã de tênis de mesa.
“No paralímpico, além da vencedora geração atual, surgem alguns nomes importantes, ainda muito jovens”, prossegue Alaor. “No Fluminense, por exemplo, há uma menina de apenas 13 anos, a Sophia Kelmer, que já conquistou títulos de abertos internacionais adultos em sua primeira participação em novembro. Lucas Arabian, de 15 anos, treina com a seleção no CT Paralímpico, em São Paulo, e já conquistou várias medalhas na sua primeira participação internacional, no ano passado.”
Entre 2012 e 2018, os investimentos da CBTM eram de R$ 1,93 milhão; a partir de 2019, superaram os R$ 600 mil por ano, ultrapassando os R$ 800 mil em 2021. Isso corresponde a aproximadamente 25% dos recursos recebidos via Lei das Loterias, custeando pagamentos de treinador e outros membros, viagens internacionais, além de uma bolsa para o Calderano, que inclusive podia viajar de classe executiva, desfrutando mais conforto em longos trajetos, fundamental por causa de sua altura.
Ao todo, a movimentação da CBTM foi superior a R$ 22 milhões em três anos (2019 a 2021), dos quais R$ 2,26 milhões na formação de atletas. Na seleção adulta olímpica recebeu aproximadamente R$ 4,5 milhões, seleção paralímpica, R$ 3,4 milhões. As competições nacionais consumiram quase R$ 2,5 milhões.
A Confederação Brasileira de Tênis de Mesa desenvolve planos exclusivos para a base. Giulia, Laura e Leonardo fazem parte do Programa de Desenvolvimento de Talentos, em parceria com o COB, no qual os atletas recebem atenção especial da comissão técnica das seleções de base. Isso inclui análise regular no CT Time Brasil, estágios de treinamentos no exterior e participação de competições do Circuito Mundial de Jovens para acumularem experiência.
Antes disso, o Programa Detecção Nacional de Talentos garimpa jovens em várias cidades do Brasil e o Diamantes do Futuro recruta atletas com potencial para atuar nas seleções de base e que se tornam alvo de um acompanhamento constante de técnicos e profissionais da CBTM.
A CBTM assumiu o tênis de mesa paralímpico em 2007 – e isso fez toda a diferença. Um ano antes, quando era administrado por outra entidade, o Brasil conquistara apenas quatro vitórias, com um investimento de US$ 300 mil, no Mundial da Suíça, em Montreux. Dez anos depois, nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, o Brasil saltou para quatro medalhas. Em mundiais, os brasileiros conseguiram três medalhas de bronze em 2014: o campeonato mundial por equipes femininas classe 9-10 em 2017 e o vice-campeonato da classe 2 feminina, com Cátia Oliveira, em 2018. Nos dois últimos Jogos Parapan-Americanos, o tênis de mesa brasileiro conquistou mais medalhas que a maioria dos países participantes incluindo todas as modalidades.
Em Tóquio, o tênis de mesa paralímpico brasileiro somou uma medalha de prata e duas de bronze. Esse resultado expressivo reforça a necessidade de continuação do processo. “Estamos estruturando ainda mais a comissão técnica, com análise de dados e novos profissionais, para manter os bons resultados e evoluir ainda mais”, adianta Alaor.
Naquela ocasião, a CBTM recorreu ao trabalho de uma empresa indiana de análise de dados, a Stupa, fornecedora de uma plataforma que possibilitou traçar estratégias contra os principais adversários. Na preparação para a Paralimpíada, foram utilizados sparrings com características diversas durante quatro meses.
“Para este ciclo”, adianta Alaor, “nossa seleção permanente utilizará quatro sparrings durante toda a preparação, além de uma comissão técnica fixa, com dois técnicos e um preparador físico. Também teremos semanas especiais de treinamento intensivo e participação dos nossos principais atletas em competições internacionais diversas.” A base receberá uma atenção ainda maior, equilibrando os recursos destinados com o alto rendimento. Além disso, as seleções adultas e de base passaram a ter técnicos contratados pela CLT.
É possível sonhar, e alto
Número 1 do mundo em tênis de mesa, a China mantém em cada praça várias mesas para a prática da modalidade. “É uma febre, tal qual o nosso futebol”, conta Alaor. “Imagine a quantidade de grandes atletas que surgem todos os anos, num país com mais de 1 bilhão de pessoas. Mas o grande diferencial são as escolas públicas esportivas que existem nas 37 províncias do país. Nelas, aos 6 anos, as crianças aprendem as disciplinas convencionais pela manhã e treinam de tarde e de noite, retornando para casa no sábado. Ou seja, com apenas 6 anos eles começam a ser preparados para o alto rendimento. É uma potência difícil de ser superada pelo seu gigantismo.”
Isso não significa que o Brasil não possa sonhar alto. Afinal, o tênis de mesa já é uma das modalidades mais praticadas do País. São 10 milhões de pessoas que têm contato com o ping-pong, na escola, nos clubes e nos condomínios. Não estranhe, leitor. O termo ping-pong deixou de ser considerado pejorativo e os mesa-tenistas pretendem associá-lo ao tênis de mesa de forma afetiva.
“O que passamos a fazer em 2020”, revela Alaor, “foi trazer esse pessoal para a prática do tênis de mesa regular. Lançamos a campanha Prazer, Ping-Pong, cuja meta é multiplicar pelo menos por dez o número de filiados nos próximos anos. O esporte é o mais inclusivo, pois pode ser jogado por atletas de todas as idades, de qualquer gênero, olímpicos ou paralímpicos, sem mudanças de regras ou equipamentos.
Vice-presidente da ITTF
Eleito em novembro o terceiro vice-presidente mais votado da Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF), Alaor Azevedo entende que isso é um reconhecimento da importância que o tênis de mesa brasileiro passou a ter no cenário internacional. “E fui eleito para ser vice da primeira mulher a alcançar este posto, a sueca Petra Sörling, que fez um trabalho magnífico em seu país e como vice-presidente financeira da própria ITTF.”
O tênis de mesa feminino, que deve equiparar-se ao masculino segundo a proposta da ITTF, é um grande desafio também no Brasil. A CBTM pretende contribuir ao máximo com esse desenvolvimento. “Queremos organizar uma competição WTT – similar a um grand slam de tênis – e estabelecer uma parceria mais efetiva com a área de desenvolvimento da ITTF, com a qual a UniTM tem feito reuniões frequentes”, anuncia Alaor.
Ainda para este ano, a CBTM vai organizar um evento paralímpico, possivelmente no CT Paralímpico em São Paulo, onde espera reunir competidores de muitos países, em colaboração com a ITTF. “Queremos participar ativamente das decisões mais importantes da entidade e, sempre que possível, beneficiando o Brasil e as Américas, já que sou o único representante deste continente na diretoria”, conclui Alaor, que espera ser lembrado como alguém que dedicou toda a sua vida ao esporte e que contribuiu muito para tornar o tênis de mesa brasileiro uma grande potência.