Embora a transferência da presidência do COI tenha sido celebrada com entusiasmo pelos membros reunidos na sede da entidade, em Lausanne, o mundo ao redor continua sendo assolado por notícias alarmantes de conflitos armados — um cenário que oferece pouco ou nenhum espaço para o florescimento do esporte.
Por Alex Oller / Inside the Games
Curitiba, 27 de junho de 2025
“Ataques com drones e mísseis russos matam oito em Kiev”, estampava uma manchete da Agence France-Presse pouco depois do início da cerimônia de posse na Suíça. Foi apenas uma entre inúmeras manchetes semelhantes que, nos últimos tempos, se multiplicam em veículos internacionais praticamente sem trégua. É esse o ambiente geopolítico que Kirsty Coventry herda ao assumir a presidência do COI: um panorama em rápida deterioração, onde a violência avança a cada hora.
Seja na guerra que já dura três anos na Ucrânia, no bombardeio contínuo da Faixa de Gaza por parte de Israel desde os ataques do Hamas em 7 de outubro, ou ainda na escalada das tensões globais provocada pelos ataques militares dos Estados Unidos ao Irã nesta semana — o fato é que o planeta mergulhou, de forma inequívoca, em uma nova era: mais militarizada, instável e violenta. Um contraste profundo em relação ao cenário que Thomas Bach encontrou ao assumir a presidência da mais importante organização esportiva do mundo, doze anos atrás.

Apesar de ter enfrentado turbulências sérias, como o agravamento da crise com a Rússia e a pandemia da Covid-19 que adiou os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, Bach navegou, em grande parte de seu mandato, por águas relativamente calmas. Dedicou-se à promoção dos valores fundamentais do Movimento Olímpico, apoiou firmemente a luta contra o doping em parceria com a Agência Mundial Antidoping e construiu uma base financeira sólida para o COI — uma herança institucional respeitável, agora colocada à prova por um contexto global que ameaça até mesmo os pilares simbólicos do Olimpismo.
A esperança de paz global, ainda que alimentada pelo espírito olímpico, parece hoje uma utopia distante. A força unificadora do esporte continua viva, mas sua influência está subordinada à realidade dura e fragmentada de um mundo em crise — onde milhões de vidas são impactadas por decisões que transcendem o esporte, mas colocam em risco sua própria razão de ser.
Em seu discurso de despedida, visivelmente emocionado, Bach foi calorosamente aplaudido e acolhido por Kirsty Coventry, ex-nadadora olímpica do Zimbábue e apontada como sua sucessora favorita entre os sete candidatos ao cargo. Com apenas 41 anos, Coventry foi eleita presidente do COI em março e agora terá de demonstrar equilíbrio entre firmeza institucional e habilidade política diante de uma lista de desafios espinhosos — entre eles, uma reunião de alto risco com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já nos primeiros dias de sua gestão.
“Você nos manteve unidos nos momentos mais turbulentos. Deixou um legado valioso e a esperança de que o esporte continue a inspirar o mundo”, declarou Coventry a Bach. “Obrigada, do fundo do meu coração, por liderar com paixão e por nunca vacilar diante dos nossos valores.”
Entre os princípios fundamentais do Olimpismo, destacam-se:
- “O objetivo do Olimpismo é colocar o esporte a serviço do desenvolvimento harmonioso da humanidade, promovendo uma sociedade pacífica e preocupada com a dignidade humana.”
- “O Movimento Olímpico é uma ação coordenada, universal e contínua, conduzida sob a autoridade suprema do COI, envolvendo todos os indivíduos e entidades que compartilham os valores do Olimpismo. Ele se manifesta em sua plenitude na reunião dos atletas de todo o mundo nos Jogos Olímpicos. Seu símbolo são os cinco anéis entrelaçados.”
Como no passado, tais princípios certamente voltarão a ser colocados à prova — talvez mais do que nunca — durante o primeiro mandato de Kirsty Coventry, que deve durar oito anos, com possibilidade de reeleição para mais quatro. Aos 41 anos, a ex-nadadora parece ter a resistência necessária para liderar essa campanha em defesa dos valores olímpicos, já que nem terá completado 50 anos na próxima eleição presidencial do COI. No entanto, ela está plenamente ciente de que terá uma escalada árdua pela frente, num momento em que as tensões globais se agravam e abordagens políticas extremas ganham força, deixando cada vez menos espaço para a diplomacia.
O esporte, nesse cenário, também se vê acuado — vítima de diretrizes conservadoras adotadas por governos que buscam instrumentalizar seu potencial transformador, afastando-o dos princípios de igualdade e inclusão defendidos pela Carta Olímpica. A relativa inexperiência de Coventry em lidar com os líderes mundiais mais poderosos, como Donald Trump, pode representar um risco, embora também possa se tornar uma vantagem simbólica: o frescor de uma nova liderança pode trazer oxigênio e reposicionamento, sobretudo com a mudança de guarda no COI.
Thomas Bach, por exemplo, sentiu-se obrigado a sancionar a Rússia em razão da guerra na Ucrânia, proibindo o país e sua aliada Bielorrússia de competirem oficialmente nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 — exigindo que seus atletas participassem apenas sob bandeira neutra, sem símbolos nacionais ou execução de hinos. No entanto, o mesmo padrão não foi aplicado a Israel, que continuou atuando normalmente em eventos internacionais mesmo diante do bombardeio contínuo à Faixa de Gaza, que resultou em milhares de vítimas civis.
Coventry, que foi rapidamente parabenizada por Vladimir Putin na noite de sua eleição — com o presidente russo elogiando sua “alta autoridade no mundo esportivo” —, evitou até agora se envolver diretamente nessas controvérsias. Declarou apenas que irá se reunir com Trump para discutir as preocupações envolvendo a preparação dos Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028. Em um cenário ainda majoritariamente masculino, a dirigente zimbabuana e mãe de dois filhos pretende imprimir uma liderança mais colaborativa, reforçando que gosta de “liderar por meio da escuta e do diálogo”. Por ora, sua principal medida anunciada foi a criação de uma força-tarefa para revisar a política do COI em relação à participação de atletas de países envolvidos em guerras e conflitos armados.
Enquanto isso, os recentes ataques de Israel ao Irã — com o apoio direto de Trump — mantêm o mundo em estado de alerta, aguardando a reação de Teerã, que há anos desenvolve um avançado programa nuclear. Nos Estados Unidos, os impactos da nova gestão republicana já são sentidos: tensões internas se agravaram, a economia sofreu com tarifas comerciais e o caos imigratório provocou protestos e forte militarização, especialmente em Los Angeles, cidade que sediará os próximos Jogos Olímpicos de Verão.
Com o comércio global abalado, patrocinadores em alerta e o modelo olímpico sob constante questionamento — em termos de lucratividade, sustentabilidade e imagem pública — Coventry assume a missão de manter o sólido legado financeiro deixado por Bach e evitar o esvaziamento do grupo de patrocinadores, que já sofreu baixas após Paris 2024.
A cerimônia de posse realizada na última segunda-feira, na sede do COI em Lausanne, foi marcada por momentos de emoção e simbologia. A trilha sonora se abriu com o clássico “Carruagens de Fogo”, de Vangelis — evocando a pureza e a nobreza do espírito esportivo. Em seu discurso, Coventry lembrou de quando sonhava, ainda em 1992, com uma medalha olímpica, e refletiu sobre a trajetória que a levou até a liderança do Movimento Olímpico. “Que sorte a nossa criar uma plataforma para as futuras gerações realizarem seus sonhos”, afirmou. “Somos mais do que promotores de eventos multiesportivos. Somos guardiões de um movimento que inspira, transforma vidas e carrega esperança. Isso não deve ser tratado com leviandade. Quero trabalhar com cada um de vocês para seguir mudando vidas e ser um farol de esperança em um mundo dividido. Sinto-me verdadeiramente honrada em trilhar essa jornada com vocês.”
Sob aplausos calorosos, a cerimônia foi encerrada com outra canção emblemática: “Imagine”, de John Lennon — talvez o hino mais reconhecível do mundo em defesa da paz, da unidade e da superação das fronteiras que dividem os povos. “Você pode dizer que sou um sonhador, mas não sou o único. Espero que um dia você se junte a nós. E que o mundo viva como um só”, diz a letra.
Dentro do auditório, muitos entoaram os versos com emoção. Lá fora, porém, as más notícias continuavam a chegar.